Quando comecei a trabalhar como jornalista, havia algo chamado “notícias frias”. Referíamo‑nos a “dias de notícias frias” quando nada acontecia – aparte, claro está, triunfos e tragédias em lugares distantes onde a maior parte da humanidade vivia. Estes raramente eram relatados, ou as tragédias eram descartadas como actos da natureza, independentemente das provas em contrário. O valor das notícias de sociedades inteiras era medido pela sua relação “connosco” no ocidente e o seu grau de acatamento, ou hostilidade, à nossa autoridade. Se não se ajustassem, eram notícias frias.Pouco destas concepções mudaram. Para mantê-las, milhões de pessoas permanecem invisíveis, e descartáveis. No 11 de Setembro de 2001, enquanto o mundo lamentava as mortes de quase 3.000 pessoas nos Estados Unidos, a Organização para a Alimentação e a Agricultura [FAO] das Nações Unidas relatava que mais de 36.000 crianças haviam morrido devido aos efeitos da pobreza extrema. Elas foram notícias muito frias.Vamos tomar uns poucos exemplos recentes e comparar cada um deles com as notícias regulares tal como são vistas na BBC e alhures. Manter em mente que os palestinos são cronicamente notícias frias e que os israelenses são notícias regulares.Notícia regular: Charles Clarke, porta-voz de Tony Blair, «revive a batalha de Downing Street» e chama Gordon Brown de «estúpido, estúpido» e um «obcecado pelo controle». Ele desaprova o modo como Brown sorri. A isto é dada cobertura até à saturação.Notícia fria: «Um genocídio está a ter lugar em Gaza», adverte Ilan Pappe, um dos principais historiadores de Israel. «Esta manhã... outros três cidadãos de Gaza foram mortos e uma família inteira ferida. Isto é a colheita da manhã; antes do fim do dia muitos mais serão massacrados».Notícia regular: Blair visita a Cisjordânia e o Líbano como um «pacificador» e um «intermediário» entre o primeiro‑ministro israelense e o «moderado» presidente palestino. Mantendo uma expressão indiferente, ele adverte contra «demagogias» e «distribuir culpas».Notícia fria: Quando o exército israelense atacou a Cisjordânia em 2002, arrasando casas, matando civis e destruindo lares e museus, Blair foi avisado previamente e deu “o sinal verde”. Ele também foi avisado acerca dos recentes ataques israelenses a Gaza e ao Líbano.Notícia regular: Blair disse ao Irão para prestar atenção ao Conselho de Segurança da ONU sobre «não avançar com um programa nuclear».Notícia fria: O ataque israelense ao Líbano fazia parte de uma sequência de operações militares planeadas cuidadosamente, das quais a próxima é o Irão. As forças americanas estão prontas para destruir 10.000 alvos. Os EUA e Israel contemplam a utilização de armas nucleares tácticas contra o Irão, muito embora o programa de armas nucleares do Irão seja não‑existente.Notícia regular: «Temos estado a fazer progresso real em áreas onde a insurgência tem sido mais forte», diz um porta-voz estadunidense no Iraque.Notícia fria: Os militares estadunidenses perderam todo o controle sobre a Província al-Anbar, a oeste de Bagdade, incluindo as cidades de Faluja e Ramadi, as quais estão agora nas mãos da resistência. Isto significa que os EUA perderam o controle de boa parte do Iraque.Notícia regular: «É bastante claro que tem sido feito progresso real [no Afeganistão]», diz o Foreign Office.Notícia fria: pilotos da NATO matam 13 civis afegãos, incluindo nove crianças, durante um ataque para «proporcionar cobertura» às tropas britânicas com base em Musa Kala, na Província Helmand.Notícia regular: Blair é o primeiro-ministro trabalhista com mais êxito, pois venceu três eleições consecutivas de modo esmagador.Notícia fria: Em 1997, Tony Blair recebeu menos votos populares do que os Conservadores de John Major em 1992. Em 2001, Blair recebeu menos votos populares do que os trabalhistas de Neil Kinnock em 1992. Em 2005, Blair recebeu menos votos populares do que os Conservadores em 1997. As últimas duas eleições produziram a mais baixa participação desde a cidadania. Blair tem o apoio de pouco mais de um quinto da população eleitora britânica.Notícia regular: Na era de Blair «a ideologia rendeu-se inteiramente aos “valores”... não há vacas sagradas nem limites fossilizados para o terreno sobre o qual a mente pode estender-se na busca de uma melhor Grã‑Bretanha», escreveu Hugo Young, The Guardian, 1997.Notícia fria: «Nuremberg declarou que a guerra agressiva é o supremo crime internacional. Eles [Bush e Blair] deveriam ser julgados juntamente com Saddam Hussein», afirma Benjamin Ferencz, promotor chefe dos crimes nazis em Nuremberg.http://infoalternativa.org/midia.htm
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