sábado, 17 de dezembro de 2011

Um grande amigo

            Como é difícil falar de um amigo. Como não esquecer alguma qualidade sua? Como priorizar, nas lembranças que se organizam, aqueles eventos mais marcantes. Sempre dá medo de deixarmos algo de fora. Mas vamos falar dele com aquilo que nossa memória recupera de momento.
            Eu o conheci num jardim, no bairro de Inhaúma, na cidade do Rio de Janeiro, em Janeiro de 2000. O mundo, como muitos esperavam, não acabara. Para mim, começava um mundo de emoções, de alegrias e, porque parte da experiência humana, algumas angústias e tristezas. Eu o conheci criança. Recém-nascido quase. “Esse é o mais espertinho. Leve-o contigo”, disse-me a pessoa que o apresentou-me. Confesso que me encantei por aquele ainda frágil amigo. Telefonei para minha casa e falei com minha mãe. Moravam comigo outros quatro amigos, a saber: Bem-Hur, Minie, Shaiane e Violeta. Perguntei à minha mãe se haveria a possibilidade de acolhermos mais um em nossa casa, ao que ela deixou a decisão em minhas mãos. Isso ela fazia quando não queria assumir a responsabilidade da escolha, mas ao mesmo tempo sabedora que eu faria a opção positiva. Meu amigo me acompanhou, no ônibus 711 (Rio Comprido – Rocha Miranda), até minha casa, agora nossa casa. Cabia em minhas mãos. Chorava, angustiado. Notei que era elétrico, agitado.
            Como faz a alegria de uma casa uma criança, mesmo que essa criança não seja da espécie humana. Batizado como “Popó” por meu pai, em homenagem ao lutador de boxe do momento, rapidamente ele fez a festa da casa. Bagunceiro que ele só! Cresceu amigo de uma poodle, brincavam muito mesmo. Rapidamente ele ficou muito maior que ela. Filho de uma linda vira-lata marrom, peluda, com um pitbull que não conheci.
            Criamos cinco cachorros na marra. Comiam restos de comida conseguida num restaurante próximo de casa. As condições financeiras não eram boas. A maioria dos nossos animais morreu por doenças evitáveis, que a vacinação pouparia. Popó foi o único animal que as circunstâncias (financeiras, momentâneas) ajudavam. Quando adoecia (e não foram poucas vezes), graças a Deus, sempre havia alguma grana para socorrer-lhe.
            Popó cresceu, crescemos juntos. Ele em tamanho, eu em admiração e respeito pelos animais. Quantas brincadeiras! Imaginem a força de um pitbull com tamanho maior por conta do cruzamento com um animal maior. “Luta livre”, corridas... E para passear na rua? Às vezes eu tinha a sensação que ele levava-me para passear, e não o contrário.
            Popó era a sombra de minha mãe. Aonde ela ia, ele ia atrás. Era algo parecido com a relação Terra-Lua. Quando ele cochilava e ela saia de perto, era até engraçado vê-lo procurando-a pela casa até encontra-la. E quando chegávamos da rua? Uma festa avassaladora! Quando minha mãe passou por algumas internações hospitalares, ele ficava no quintal, olhando para a rua, esperando-a. Entrávamos eu e meu pai em casa e ele nada. Apenas para comer. Depois tornava a sair.
            As doenças foram desafiadoras. Escapou de um envenenamento. Ouvi, na SUIPA, um belo sermão do veterinário sobre o problema que isso causa e dos riscos que meu amigo correu. Ressalto que nunca coloquei veneno na casa, mas nem todos em meu lar avaliavam os riscos. Em todo caso, a partir daí, este mal foi definitivamente banido.
            Sinistro foi quando ele contraiu Leptospirose! Dependia da carona de conhecidos para levar meu amigo na SUIPA. O tratamento era diário. Soro lento, com medicações. Veterinários e auxiliares de enfermagem, ao tocarem no Popó o faziam com luvas. Vi o risco que eu corria e pensei comigo mesmo: “Eu não vou pegar essa doença, de jeito nenhum!” E continuei. Superada a primeira semana, receitaram-lhe Benzetacil. E como aplicar injeções? Aprendi. Apliquei a primeira. Popó, que não reclamou de nenhuma dor até aquele momento sentou-se de dor! “Estou ferrado”, pensei! Ainda tenho que aplicar-lhe mais 29 injeções de 0,5 ml durante um mês! E assim foi. No horário das injeções, notava a angústia nos seus olhos, mas nunca mais reclamou. E vencemos a Leptospirose, com a graça de Deus.
            Tive anos difíceis entre 2005 e 2009 no que respeita a doenças em familiares. Descuidei de uma das vacinas de meu amigo (a de 2009) e eis que, em 2010, para meu desespero, ele contraiu a temível Cinomose! O mundo caiu na cabeça. Popó andava arrastando o traseiro no chão. Tinha dificuldades de urinar. Na internet pesquisei uma veterinária. Liguei e ela veio. Receitou-lhe Cinoglobulin (encontrável em lojas vinculadas a clínicas veterinárias. Encontrei no Gato Xadrez, em São Cristóvão) e uma medicação para o fígado que não me recordo o nome. Eis que se verificam melhoras. O cachorro começou a andar novamente. Fiquei maravilhado. Mas, uma semana depois, os sintomas retornam... Liguei para a veterinária e ela, pasmem, disse-me que era normal ele ter, novamente, dificuldades de andar (mesmo depois de ter apresentado melhoras) e que eu deveria fazer-lhe massagens... Pesquisei, novamente, na internet e eis que encontrei um veterinário de uma clínica veterinária de Higienópolis (Veterinária Rio, tel.: 2270-5039) que vinha em casa. Dr. Gustavo veio, examinou-lhe e acrescentou o Organoneurocerebral, além da repetição do Cinoglobulin. Foi sincero ao afirmar que o quadro era difícil. No entanto tentamos. E eis que fomos compensados pelo esforço. Com a graça de Deus, Popó voltou a andar. Ficou com sequelas neurológicas. Seu equilíbrio já não era mais o mesmo mas, mesmo assim, conseguia andar bem. O ano de 2010 teve esse momento de angústia superado. Recordo-me que começou a apresentar os sintomas da doença um pouco depois da vacinação anual da Raiva, promovida pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Preocupei-me com isso porque li, pela imprensa (e ouvi relatos) de que a vacina estava afetando os animais. Estariam desenvolvendo sintomas que, a princípio, julguei muito parecidos com o que apresentou Popó, principalmente o “descadeiramento”. Recentemente (Dezembro de 2011) ouvi relatos de que a vacinação, igualmente, causou problemas em alguns animais, chegando a provocar óbitos.
            Meu amigo em 2011 estava com 11 anos de vida. Uma vida feliz, alegre, cheia de desafios vencidos. Mas tinha contra ele o tempo. E quem pode contra o tempo? Era um idoso com alma juvenil. Os cães envelhecem mas parecem não perder o espírito infantil. Podemos notar certa jovialidade de alma (se me permitem) apesar do corpo cansado. E os efeitos do tempo não esperaram. Popó, eventualmente, vomitava. Reparamos que isso parecia ocorrer quando fazia suas refeições e bebia água. Começamos a nos precaver. Quando colocávamos comida, retirávamos a água por um tempo. Notamos que ele começou a acordar na madrugada para urinar. Acostumei-me a levantar-me todas as noites entre as 2 e as 4 horas da manhã para abrir-lhe a porta de casa para que se aliviasse. Não fizemos a leitura dos sintomas.
            Eis que chega o calvário de nosso amigo. Certa noite, notei-o agitado, indo de um lado para outro. Angustiado mesmo. Abria-lhe a porta, ele andava pelo quintal, rodava, rodava, às vezes urinava e depois voltava. Assim que entrava manifestava vontade de sair novamente. Ao dia seguinte, entrei em contato com o Dr. Gustavo que veio examinar-lhe. Ao tocar na região dos rins, notou que provocou dor em Popó. Os sintomas que apresentava (vômitos eventuais) poderiam ser sinal de complicações renais. Colheu sangue para análise. No dia seguinte a notícia: os índices de uréia e creatinina estavam altíssimos. No segundo e último exame (dia 26/10/2011) que fez, tinha 177,0 de uréia (normal 21,0 – 60,0) e 4,3 de creatinina (normal 0,5 – 1,5), além da ALT/TGP em 592,0 (normal 21,0 – 102,0). E mesmo assim continuou comendo. Fizemos três dias de soroterapia. Baixaram pouco os índices. Uma ultrassonografia abdominal foi reveladora. Meu amigo tinha duas lesões renais, uma em cada rim. Eram sugestivas de câncer. Um punção do líquido de uma delas foi feita e eis que recebi a triste notícia: era câncer. Não havia muito a fazer. Apenas cuidados paliativos. E o fizemos.
            Popó durante um mês comeu frango e peixe (uma vez), com arroz. De vez em quando vomitou. Sai do consultório com Ranitidina (para o estômago) prescrita, além de uma vitamina (Metacell Pet), ambas que ele tomou até o fim. Os vômitos aumentaram. Aumentamos a dose da Ranitidina (depois de consultar Dr. Gustavo). Eis que no dia 1° de Dezembro meu amigo acorda na madrugada novamente angustiado, um pouco parecido com o que ocorrera no final de Outubro. Na manhã daquela quinta-feira ele manifestou dor. Foi prescrito Dorless (tramadol, medicamento a base de ópio). Não adiantou. Foi associada outra medicação, anti-inflamatória. Não adiantou. As suas dores nos cortavam o coração. Nosso amigo não conseguia mais descansar. Tinha breves períodos de sono. Quando acordava, queixava-se. Liguei para o veterinário. Ele prescreveu aumentar a dose do Dorless. Ao invés de 2 comprimidos de 12 e 12 horas, passaria a tomar 3 comprimidos de 6 em 6 horas. Notei que estava adiando o inadiável.  Meu amigo partiria em breve. A eutanásia, que já vinha na minha pauta desde a notícia do câncer, surgiu com força agora. Durante o mês de Novembro tentei preparar o ânimo de minha mãe para o passamento de Popó, chamando-lhe a atenção para sua idade avançada e a gravidade da doença. Na manhã de sábado, dia 3 de Dezembro, optamos pela eutanásia. Notávamos sua dor aumentando. Nosso amigo, que diante de 30 doses de 0,5 ml de benzetacil não se queixara, agora estava reclamando de sua dor sem parar.
            Leva-lo para a clínica foi doloroso. Chorei pelo meu amigo como se fosse um parente. Que digo! Às vezes os animais são mais próximos que muitos parentes e vizinhos. Deixei meu amigo anestesiado e sai, não antes de abraçá-lo e o beijar. Agora sei que, onde está (se é que já não reencarnou) está melhor. Sem dores. O veterinário disse-me que cães em situações desse tipo às vezes não duram nem uma semana. Popó resistiu um mês!
            Que onde nosso amigo estiver, que receba nossas melhores vibrações de amor e carinho. Espero um dia reencontrá-lo. Por que não?

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Guerras; Assassínio


Guerras; Assassínio, O Livro dos Espíritos, 3ª parte, cap. VI (Da Lei de Destruição), perguntas 742 a 751. Rio de Janeiro, 11 de Outubro de 2011.

“Se há tanta paz no azul que o céu abriga
e há tanto azul que tanto bem nos faz,
se há tanto azul e há tanto céu, me diga:
- Por que é que o Homem não encontra a Paz?...” [1]
Luna Fernandes
            Mais do que nunca, os seres humanos clamam pela paz! Ontem, como hoje, existiram anseios por alcançá-la. A paz é celebrada em eventos públicos, em discursos emocionados e até por governos de Nações. Estes, no entanto, desmentem-se, ao assumirem, muitas vezes, posições contraditórias, quando defendem a agressão e a violência pela guerra. Desmentem-se até quando, omissos, recusam-se a opinar a respeito de atrocidades que são cometidas contra outros seres humanos, quase sempre de etnias ou nações “mais fracas”, com menor capacidade econômica para resistirem. A guerra foi objeto de preocupação de Allan Kardec que, na parte dedicada às Leis Morais da vida, no capítulo da Lei de Destruição, abordou-a. Assim, na pergunta 742 o Codificador indaga
Que é o que impele o homem à guerra?
“Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem - o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos freqüente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária.” [2]
            É de se perceber que nossa inferioridade espiritual é responsável pela escolha que fazemos da guerra para resolvermos nossas desavenças, ou mesmo para adquirirmos poder econômico. O combustível da agressividade e o extravasar das paixões mais brutas encontram ambiente perfeito nesta situação. Recentemente, o Wikeleaks (que é uma organização sediada na Suécia que publica documentos vazados de governos ou empresas sobre assuntos sensíveis), publicou, em 2010, um vídeo onde soldados estadunidenses matam civis iraquianos de maneira banal. [3] Atiram em pessoas que se deslocavam em vans onde parecia haver uma criança dentro. Nota-se, no tom de voz do militar, todo um prazer bestial em fazer mal àquelas pessoas em situação desigual de força. Na estatística oficial de guerra, estas vítimas seriam descritas como “efeito colateral”.
            Quando se fala em horrores da guerra, recorda-se da Segunda Guerra Mundial e da figura de Adolf Hitler. Durante este período, a discriminação e a perseguição aos judeus foram implantadas na Europa ocupada pela Alemanha nazista. Países que simpatizavam com ela, ou que buscavam manterem-se neutros, eram pressionados a assumirem semelhante postura.
O método de matar era tema de discussão entre os nazistas. Otto Ohlendorf, comandante do Einsantzgruppen A, usava o método de fuzilamento, ao invés do tiro na nuca em que o soldado ficava perto da vítima, o que poderia dar margem a tentativas de reação de quem se pretendia matar. Essa obsessão de encontrar uma maneira de matar em massa e de forma impessoal acabou desembocando na utilização dos caminhões / câmaras de gás móveis. Estes eram adaptados de forma que o escapamento ficasse voltado para dentro da carroceria e o gás fosse produzido pelo funcionamento do motor. A asfixia demorava 15 minutos. Ao abrir as portas do caminhão, os mortos tinham a face desfigurada e os corpos cobertos de fezes. Os nazistas obrigavam os judeus a retirarem os corpos e os enterrarem. O método foi abandonado porque o número diário de mortos estava aquém da pretensão nazista de matar milhões de judeus. [4]
            Adotaram, então, as Câmaras de Gás. E procuravam fazer tudo com muita ordem.
Quando os judeus chegavam aos campos de extermínio, os nazistas mentiam-lhes sobre seu destino. As câmaras de gás eram disfarçadas de banheiros com chuveiros para desinfecção. Na ante-sala das câmaras, os alemães diziam aos judeus que estes iam tomar um banho. As vítimas se despiam e recebiam cabides numerados com a recomendação de não esquecer onde tinham deixado a roupa. Podiam receber também sabão. Muitas vezes eram obrigados a entrar com os braços levantados para ocupar menos espaço. Os guardas impediam conversas entre os presos do campo e os recém-chegados. Pretendiam que caminhassem sem pânico e em boa ordem para a câmara de gás. [5]
            Depois os corpos eram recolhidos por outros judeus que, trabalhando, tinham uma sobrevida maior.
            Para mim, soa muito estranho, pelo menos moralmente, a atitude do Estado judeu Israel em promover uma política de extermínio de um povo - o palestino -, a semelhança do que os judeus sofreram do nazismo. Israelenses que massacram palestinos, alemães que massacraram judeus (e Testemunhas de Jeová, ciganos, homossexuais, e outros) e estadunidenses que exterminam civis iraquianos e afegãos demonstram, com suas atitudes, o que os Espíritos codificadores disseram a Kardec: o direito do mais forte prevalecendo no estado de barbaria... E estamos falando de século XX (Segunda Guerra Mundial) e século XXI.
             Kardec, na pergunta 743, indaga aos Espíritos da Codificação se em algum dia a guerra desapareceria da face da Terra, ao que eles respondem positivamente, endossando que isso ocorreria “quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.” [6] A justiça que decorre do entendimento do fazer aos outros aquilo que gostaríamos que os outros nos fizessem, de acordo com o que nos ensinou Jesus. Todos aqueles que reforçam o divisionismo entre as pessoas, que procuram hierarquizar pessoas, taxando alguns de inferiores desejam dominar, desejam poder. Na escala dos povos acontece o mesmo, ainda que isso não seja declarado explicitamente, como ocorria com o Nazismo. Temos que avisar aos ultra-belicosos de plantão que a Terra não tem fronteiras. A natureza (apelido de Deus) deu-nos recursos naturais sem estipular quem deveria ter mais ou menos. Segundo Mahatma Gandhi, “assim como o culto do patriotismo ensina que o homem deve morrer pela família, e a família pela pátria, assim, também, deve a pátria morrer, se necessário pelo mundo.” [7] Quando a pátria morrer pelo mundo, quando vivermos num mundo efetivamente sem fronteiras, como diz uma propaganda de operadora de telefonia móvel, então estaremos no caminho para vivermos como irmãos.
            Na questão 744 Kardec pergunta o “que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra” [8], ao que os Espíritos respondem: A liberdade e o progresso. Não satisfeito com a resposta, torna a perguntar
a) - Desde que a guerra deve ter por efeito produzir o advento da liberdade, como pode freqüentemente ter por objetivo e resultado a escravização?
“Escravização temporária, para esmagar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.” [9]
            Às vezes gozamos de liberdade legal, amparada pela lei, sem dispormos dela no nosso mundo íntimo, vítimas que somos da escravização pelos nossos vícios, materiais ou morais. Hábitos ruins funcionam para nós como poderosas correntes que nos prendem ao círculo de reencarnações inferiores. A dor, que nos surge violenta, movimenta-nos, quando negligenciamos o aprendizado pelo amor espontaneamente. A guerra opera com a dor de maneira coletiva. Tira-nos do lugar, impele-nos para frente, pelos sofrimentos que provoca. As vítimas das guerras podem libertar-se da tirania do egoísmo, quando constroem redes de solidariedade para ampararem-se mutuamente. Podem libertar-se da preguiça, no esforço de reconstrução de suas próprias vidas destruídas. Se levarmos em conta que Deus não joga dados e que, portanto, ninguém sofre por acaso, se alguém sofre na guerra, não sofre por acaso. Seu sofrimento é a colheita de sofrimentos outros que andou semeando nos jardins dos outros, porque a vida nos devolve, agora ou depois, o que lhe damos. Ao resgatarmos nossos débitos passados, em expiações dolorosas, crescemos. Estamos aptos a novamente caminhar na direção de Deus.
Há outro aspecto do progresso que temos que levar em conta, o material. Alexander Fleming, trabalhando num hospital na França durante a Primeira Guerra Mundial, desenvolveu técnicas que melhoravam o tratamento de feridas infectadas. Em Agosto de 1928, quando saiu de férias
por esquecimento, deixou algumas placas com culturas de estafilococos sobre a mesa, em lugar de guardá-las na geladeira ou inutilizá-las, como seria natural.
Quando retornou ao trabalho, em setembro, observou que algumas das placas estavam contaminadas com mofo, fato que é relativamente freqüente. Colocou-as então, em uma bandeja para limpeza e esterilização com lisol. (...)
O fungo foi identificado como pertencente ao gênero Penicilium, donde deriva o nome de penicilina dado à substância por ele produzida. Fleming passou a empregá-la em seu laboratório para selecionar determinadas bactérias, eliminando das culturas as espécies sensíveis à sua ação.
 A descoberta de Fleming não despertou inicialmente maior interesse e não houve a preocupação em utilizá-la para fins terapêuticos em casos de infecção humana até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939.
 Em 1940, Sir Howard Florey e Ernst Chain, de Oxford, retomaram as pesquisas de Fleming e conseguiram produzir penicilina com fins terapêuticos em escala industrial, inaugurando uma nova era para a medicina - a era dos antibióticos. [10]
            Na questão 745 Kardec indaga aos Espíritos da Codificação o “que se deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu”, ao que eles respondem: “grande culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para satisfazer à sua ambição.” [11] Segundo o historiador Luiz Mir, 80% dos crimes são de inspiração econômica.[12] Na guerra, atualmente, muitos ganham dinheiro. A indústria armamentista fatura alto, bem como a construção civil, no “esforço de reconstrução” dos países destruídos, além do sistema financeiro, através da concessão de empréstimos para estas obras. A invenção do terrorismo, após a queda do muro de Berlin e o fim da União Soviética, certamente serviu para que o mercado de armas aquecesse, após a Guerra Fria (que não foi nada fria em países de Terceiro Mundo). Nos conflitos que observamos no Oriente Médio, da década de 1990 até o presente, notamos o desvelado interesse no controle do petróleo, recurso natural que caminha a passos largos para o esgotamento, sendo ainda importante matriz energética no mundo, apesar de pesquisas voltadas para a utilização de água como combustível.
            Quase sempre, ao pensarmos em um “modelo de guerra” remetemo-nos à Segunda Guerra Mundial, pela sua grandeza de proporções. Segundo John Keegan, houve 20 milhões de mortes na Primeira Guerra e 50 milhões na Segunda. [13] Somente de judeus mortos, estima-se que tenham sido em torno de 6 milhões de almas. E nos lembramos de Adolf Hitler, colocando-o na categoria de primeiro culpado do combate que massacrou a tantos. Mas... Será que ele agiu sozinho? Será que seus contemporâneos alemães não se identificavam com os valores que ele defendia? Hitler fez a guerra sozinho? A Alemanha, ao final da guerra, podia ser considerada um país derrotado ou um país libertado? Na França ocupada pelos nazistas na Segunda Guerra (de Vichy), muita gente colaborou com o regime nazista e, depois da derrota alemã, com a França novamente livre, foi construída a imagem de que todos foram resistentes à ocupação nazista. No Brasil, no período de redemocratização após o Golpe Civil-Militar de 1964, as reconstruções das memórias colocaram, como defensores da democracia, elementos que anteriormente simpatizaram ou colaboravam com a direita golpista. Essas responsabilidades individuais, graduadas de acordo com o papel que cada um teve no conflito, serão levadas em conta pelo maior e mais perfeito tribunal de justiça que dispomos: nossa consciência, onde estão inscritas as leis de Deus. As nacionalidades, os grandes grupamentos humanos, pelos valores que compartilham, pelas atitudes que assumem ou deixam seus governantes assumirem, responderão perante a Lei Divina. A cada um segundo suas obras.
            Recordo-me da narrativa do Espírito André Luiz, em Nosso Lar, a respeito da maneira como observava os efeitos da Segunda Guerra Mundial. Segundo ele, as nações agressoras não são consideradas inimigas, mas desordeiras, sendo necessário reprimir-lhes o desequilíbrio.
Observei, então, que as zonas superiores da vida se voltam em defesa justa, contra os empreendimentos da ignorância e da sombra, congregados para a anarquia e, conseqüentemente, para a destruição. Esclareceram-me os colegas de trabalho que, nos acontecimentos dessa natureza, os países agressores convertem-se, naturalmente, em núcleos poderosos de centralização das forças do mal. Sem se precatarem dos perigos imensos, esses povos, com exceção dos espíritos nobres e sábios que lhes integram os quadros de serviço, embriagam-se ao contacto dos elementos de perversão, que invocam das camadas sombrias. Coletividades operosas convertem-se em autômatos do crime. Legiões infernais precipitam-se sobre grandes oficinas do progresso comum, transformando-as em campos de perversidade e horror. Mas, enquanto os bandos escuros se apoderam da mente dos agressores, os agrupamentos espirituais da vida nobre movimentam-se em auxílio dos agredidos. [14]
            Kardec torna a indagar aos Espíritos se é crime aos olhos de Deus o assassínio, e eles respondem-lhe que sim, sendo mesmo um grande crime, uma vez que “aquele que tira a vida ao seu semelhante corta o fio de uma existência de expiação ou de missão.” [15] Um Espírito deixa de ter a chance, na carne, de crescer espiritualmente. Deixa de lado uma programação de expiação ou provas que o faria tornar-se melhor. Mas como nada acontece por acaso, se a pessoa é vitimada, não está sendo injustiçada por Deus. No seu passado espiritual, muito provavelmente, fez vítimas. Ninguém nasce programado para ser assassinado, mas ninguém é assassinado por acaso. Aquele que assassina torna-se instrumento da Lei que faz com que o assassinado resgate erros de outras encarnações (quem sabe, até o de ter matado alguém). Mas o fato de tornar-se instrumento da lei não o isenta. “Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!” [16]
            A culpabilidade do assassínio é variável. Deus, segundo a resposta à pergunta 747, “julga mais pela intenção que pelo fato.” [17] Mesmo o Direito Penal distingue o homicídio doloso (quando existe a intenção explícita de matar) do homicídio culposo (quando não há intenção de matar). Empunhar uma arma para tirar a vida de alguém é considerado de uma maneira e atropelar acidentalmente alguém (sem embriaguês ou desrespeito às leis de trânsito) é considerado de outra forma, tanto na lei humana, quanto na Lei Divina.
            Em caso de legítima defesa, segundo os Espíritos na pergunta 748, desculpa Deus o assassínio, sendo que os Espíritos observam que “desde que o agredido possa preservar sua vida, sem atentar contra a de seu agressor, deve fazê-lo.” [18] Durante a guerra, se constrangido pela força, o homem não tem culpa dos assassínios que cometa. Pela força podemos entender por ordem de seus superiores. Penso que ainda não é tranqüilo, para o pacifista, recusar-se a combater. As penalidades, acredito, variaram muito na história. Imagino que em alguns casos essa penalidade possa ter sido até a morte, quando não a prisão, como o caso de Cassius Clay, boxeador estadunidense, também conhecido como Muhammad Ali (porque convertido ao Islamismo), que se recusou a lutar na Guerra do Vietnã. Assumir o risco que implicam a opção de não matar é muito mais meritório que escolher a possibilidade de matar, aceitando uma convocação para alguma guerra.
            Kardec indaga aos Espíritos qual crime é mais condenável aos olhos de Deus, se o infanticídio ou o parricídio, ao que as inteligências codificadoras respondem que “ambos o são igualmente, porque todo crime é um crime.” [19]
            Por fim, na pergunta 751 temos
Como se explica que entre alguns povos, já adiantados sob o ponto de vista intelectual, o infanticídio seja um costume e esteja consagrado pela legislação?
“O desenvolvimento intelectual não implica a necessidade do bem. Um Espírito, superior em inteligência, pode ser mau. Isso se dá com aquele que muito tem vivido sem se melhorar: apenas sabe.” [20]
            De quais povos Kardec estaria se referindo? A pergunta não nos deixa claro. Ele e seus contemporâneos sabiam onde estava acontecendo isso. Além disso, penso que por dever de caridade, buscando amenizar culpas e, até mesmo, pensando no alcance que teria O Livro dos Espíritos, buscou não ser tão explícito. Segundo a historiadora Vivian da Silva Paulitsch, 
A percepção dentro da comunidade médica contemporânea, entretanto, era de que o infanticídio e o aborto estavam sendo praticados em um alarmante ritmo. (...) uma mudança ocorreu no tipo de mulher que costumavam dirigir-se ao aborto – da “garota seduzida” do começo do século XIX, para depois de 1880, a “mulher casada buscando o controle do tamanho da sua família”. [21]
            A autora refere-se à Europa do século XIX, de Kardec! Mas a pergunta permanece: Onde era realizado? Segundo a historiadora, na primeira metade do século XIX, na Europa, países como Inglaterra, Alemanha e França possuíam leis cada vez mais rigorosas para as práticas de aborto e infanticídio (...)”. [22] Países considerados de vanguarda para a civilização, tanto na época de Kardec, quanto nos dias de hoje. Não foram nos estadunidenses que inventaram a bomba atômica e a lançaram no Japão? Não foram eles que usaram contra os vietnamitas do Norte o napalm, uma arma química que provoca queimaduras de até 5º grau (que atingiam músculos e até ossos)? Não foram eles que usaram (ainda usam?) balas de urânio empobrecido contra as populações do Iraque?
Segundo uma audição no Congresso da Comissão de Benefícios por Incapacidade de Veteranos, mais de meio milhão de veteranos sofrem de doenças não diagnosticadas, as quais podem ou não ser devidas à radiação. A doença da radiação é considerada por alguns investigadores como a principal causa da síndrome da Guerra do Golfo — uma doença que envolve o enfraquecimento do sistema imunitário que muitos veteranos da Guerra do Golfo têm relatado. [23]
                Todos esses seres humanos viveram muito, aprenderam bastante em matéria de tecnologia, mas não aprenderam a ser humanos! Enquanto vamos aprendendo a ser mais humanos, tenhamos em mente que
É o espírito de cooperação, não o de confronto, que faz o mundo girar. A maioria das pessoas passa a maior parte de seus dias em um espírito de companheirismo e busca por quase todos os meios evitar a discórdia e propagar divergências. [24]
            Temos que aprender a manter este espírito de cooperação que o historiador da guerra conseguiu captar da essência humana e levá-lo a agir quando injustiças sejam cometidas contra os mais fracos, bem como também vigiarmos e orarmos a fim de que os preconceitos de que ainda não nos despimos considerem normal pessoas serem machucadas por outras pessoas, que ainda não descobriram sua humanidade.


[1] FERNANDES, Luna. Se há tanta paz. Disponível em: http://www.marabmi.com/Paz Último acesso em 5 de Outubro de 2011.
[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995, p.351. Grifos meus.
[3] Vídeo: Wikileaks mostra como americano mata civis no Iraque. Disponível em: http://www.conversaafiada.com.br/video/2010/12/12/video-wikileaks-mostra-como-americano-mata-civis-no-iraque/ Último acesso em 5 de Outubro de 2011.
[4] OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. Anti-semitismo e suas conseqüências. Disponível em: http://transformandomundo.blogspot.com/2008/07/o-anti-semitismo-e-suas-consequncias.html Último acesso em 5 de Outubro de 2011.
[5] Idem.
[6] KARDEC, Allan. Op. cit., p. 351.
[7] Mahatma Gandhi. Disponível em: http://cadernoaquariano.blogspot.com/2011/04/mahatma-gandhi.html Último acesso em 5 de Outubro de 2011.
[8] KARDEC, Allan. Op. cit., p. 351.
[9] KARDEC, Allan. Op. cit., p. 352.
[10] RESENDE, Jofre M. FLEMING, O ACASO E A OBSERVAÇÃO. Disponível em: http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/penicilina.htm Último acesso em 5 de Outubro de 2011.
[11] KARDEC, Allan. Op. cit., p. 352.
[12] MIR, Luiz. Guerra Civil. São Paulo: Geração Editorial, 2004, p. 505.
[13] KEEGAN, John. Uma história da guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 80.
[14] XAVIER, Francisco Cândido. Nosso Lar. Rio de Janeiro, FEB, 1996, p. 226. Disponível em: http://www.sej.org.br/livros/lar_br.pdf Último acesso em 6 de Outubro de 2011. Grifos meus.
[15] KARDEC, Allan. Op. cit., p. 352.
[16] Mateus, 18:7.
[17] KARDEC, Allan. Op. cit., p. 352.
[18] Idem.
[19] KARDEC, Allan. Op. cit., p. 353.
[20] Idem.
[21] PAULITSCH, Vivian da Silva. Aborto e Infanticídio: Representações na arte do século XIX. Disponível em http://anpuhsp.org.br/downloads/CD%20XVII/ST%20XXVII/Vivian%20da%20Silva%20Paulitsch.pdf Última consulta em 6 de Outubro de 2011.
[22] Idem.
[23] WILLIAMS, John. O urânio e a guerra - Os efeitos das armas com urânio empobrecido usadas no Iraque. Disponível em http://resistir.info/iraque/uranium_p.html Último acesso em 6 de Outubro de 2011.
[24] KEEGAN, John. Op. cit., p. 492. Grifos meus.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Isso também passa


            É tão difícil vislumbrar, diante da dificuldade que estamos vivendo, uma porta de saída... Sentimo-nos imersos num redemoinho sinistro, envolvidos por mil pensamentos que nos reclamam atenção ao mesmo tempo. Avaliamos o que estamos passando, as expectativas que tínhamos e que se vêem frustradas no momento, o que tivemos que renunciar para a execução dos projetos que não conseguimos concretizar e nos encontramos diante da enorme frustração diante do que não deu certo.
            Sempre que estamos “dentro” de um problema temos a impressão que se trata de algo maior que nossas forças. As tempestades que vemos na natureza, com ventos intensos, que deitam árvores pelo chão, as enxurradas que transbordam rios e causam enormes alagamentos, os mares em fúria que parecem querer engolir embarcações dão-nos a impressão de que estamos presenciando o fim de tudo... E, no entanto, a tempestade asserena-se, os ventos se acalmam, os rios tornam aos leitos, as chuvas enfraquecem e o mar tranqüiliza-se... E dos destroços que as fúrias das tormentas naturais deixou após si a natureza recompõem a paisagem, reinventando a vida onde existe calamidade.
            Já passamos por tantos problemas. Nosso íntimo é cheio de cicatrizes das lutas que travamos contra situações que nos machucaram internamente. Se temos cinco, dez, vinte, cinqüenta ou cem anos, todos nós, sem exceção, já sobrevivemos a problemas que, em muitas ocasiões, pensamos que jamais teríamos tido forças de suportar.
            Então, por que desanimar agora?

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Instinto de Conservação


“Instinto de conservação; Meios de conservação”, O Livro dos Espíritos, 3ª parte, cap. V (Da Lei de Conservação), perguntas 702 a 710. Rio de Janeiro, 2 de Agosto de 2011.

            Quem de nós, quando criança, nunca reparou, curiosamente, uma tartaruga fazendo movimentos defensivos, recolhendo-se para seu casco? Não sei se a maioria das crianças está preocupada com o significado da atitude do réptil, mas esta, certamente tem muito haver com o nosso tema. Trata-se de um animal de caminhar pesado, lento mesmo, que durante um bom período do ano hiberna. Seu resistente casco, sem sombra de dúvidas, é providencial para que este animal tenha uma longa vida. Outros animais, como a lebre, por exemplo, preparam fuga ao menor barulho que escutam. O tubarão, por outro lado, consegue perceber uma potencial presa a quilômetros de distância, uma vez que consegue perceber sangue na água. Segundo o biólogo e zootecnista Daniel Pereira Rocha, "Isso ocorre devido ao formato e à fisiologia de seu nariz. Conforme o tubarão nada, a água flui através de duas narinas frontais. A água entra pela passagem nasal e passa por dobras de pele cobertas por células sensoriais” [1]. Ainda segundo ele, "Um grande tubarão-branco seria capaz de detectar uma única gota de sangue em uma piscina olímpica.” [2]Os animais, assim, conforme nos fala Sérgio Biagi Gregório, procuram
comer e esforçar-se para não ser comido pelos outros. Essa é a razão pela qual os órgãos sensoriais, que investigam se existe alimento em volta ou que, ao pressentir perigo, ordena ao corpo que se proteja ou fuja, encontram-se perto do orifício de introdução dos alimentos. [3]
            Em “O Livro dos Espíritos”, Allan Kardec indaga aos Espíritos Codificadores na questão 702 se o instinto de conservação é lei da Natureza, ao que eles respondem afirmativamente, assinalando que “todos os seres vivos o possuem, qualquer que seja o grau de sua inteligência. Nuns, é puramente maquinal, raciocinado em outros.” [4] Já devem ter visto aquelas situações de emergência, em ambientes fechados onde, diante de alguma ocorrência que ponha as vidas em risco, as pessoas colocam-se em desespero, muitas vezes aumentando os perigos dos demais com suas atitudes. Muitos, em fuga, não titubeiam em pisotear os que eventualmente caíram no chão... Nos seres humanos, a par de situações como estas, o instinto de conservação é operado de maneira racional, uma vez que ele tem a capacidade de escolher a maneira mais adequada de comportar-se em determinadas situações. Pode “dominar-se, recordar, prever e planejar os atos segundo as experiências acumuladas.” [5] Essa questão das experiências acumuladas me faz lembrar que o medo contagia. Vimos, em algum noticiário, informações sobre a queda de um avião. Temos que viajar de avião no dia seguinte. “Será que o meu avião será o próximo?” Muitos devem se fazer essa pergunta. Certa vez, voltando da universidade, uma colega narrava que havia sido assaltada, em pouco tempo, diversas vezes (acho que três). Pegou o ônibus comigo. Confesso que sua narrativa tão viva a respeito de sua trágica experiência me colocou profundamente preocupado dentro do ônibus, no momento que ele atravessava a Ponte Rio-Niterói, vindo para o Rio... Olhava para algumas pessoas procurando identificar potenciais criminosos. E que angústia senti!
            Na pergunta 703 Kardec deseja saber com que objetivo outorgou Deus a todos os seres vivos o instinto de conservação. Segundo os Espíritos Superiores isso se dá
Porque todos têm que concorrer para cumprimento dos desígnios da Providência. Por isso foi que Deus lhes deu a necessidade de viver. Acresce que a vida é necessária ao aperfeiçoamento dos seres. Eles o sentem instintivamente, sem disso se aperceberem. [6]
            Tudo que existe tem uma função, desempenha um papel na obra da criação. Por isso os animais (e os homens) lutam pela sobrevivência. As vezes penso que seja difícil imaginar esse papel desempenhado pelos demais seres vivos na natureza. Grosso modo, poderíamos dizer que, esforçando-se para sobreviver - e para isso devorando-se uns aos outros -, os animais mantém o equilíbrio das espécies. Quando, nas regiões do interior, ocorrem caçadas de pássaros, por exemplo, pode haver a ocorrência de gafanhotos em quantidade acima do comum, prejudicando plantações. Os pássaros são predadores naturais destes insetos. Se os homens preservarem os predadores naturais dos gafanhotos (além dos pássaros, aranhas e morcegos), não sofrerão com a superabundância desta espécie e a produção de alimentos de uma dada região não se prejudica.
            Apenas vivendo o bicho da seda nos ajuda, oferecendo-nos a seda.
O bicho-da-seda se alimenta das folhas da amoreira. É nesta fase que a larva começa a tecer seu casulo, feito com fios de muitos metros de comprimento. O fio de seda é secretado por uma glândula, chamada de glândula sericígena, localizada na parte inferior da boca da lagarta. A larva fia a seda ao redor do seu corpo fazendo movimentos geométricos em forma de número 8 até que todo o líquido que forma o fio termine, isto ocorre em torno de três dias, até lá, são secretados aproximadamente 1.000 metros dessa substância. Depois disso, num período de três semanas, nasce uma borboleta branca.
Para se obter fios de seda é preciso mergulhar os casulos em água quente para amolecê-los e retirar deles uma espécie de goma que os faz ficar presos uns aos outros. Uma vez encontradas as pontas dos fios, os casulos são desenrolados calmamente e, depois disso, estes fios são enrolados numa roda formando uma meada. Este processo, em suma, consiste em desfazer todo o trabalho que a lagarta teve para formar o casulo. [7]
            Outro ser vivo que muitos não imaginam a importância são os plânctons, organismos uni ou pluricelulares que flutuam nos oceanos e, também, nas superfícies de água doce. São a base da cadeia alimentar do ecossistema aquático. O fitoplâncton tem importância fundamental para o planeta em que vivemos, pois retira da atmosfera gás carbônico e devolve oxigênio, sendo mesmo a maior fonte deste gás vital para todos nós. [8] Assim, os pássaros, o bicho da seda e os plânctons, ao viverem, são instrumentos da Providência Divina. Além disso, conforme já estudamos [9], evoluem, por sua vez, porque nada na criação de Deus está destinado a estagnação.
            Já abordando os meios de conservação, Kardec indaga:
704. Tendo dado ao homem a necessidade de viver, Deus lhe facultou, em todos os tempos, os meios de o conseguir?
“Certo, e se ele os não encontra, é que não os compreende. Não fora possível que Deus criasse para o homem a necessidade de viver, sem lhe dar os meios de consegui-lo. Essa a razão porque faz que a Terra produza de modo a proporcionar o necessário aos que a habitam, visto que só o necessário é útil. O supérfluo nunca o é.” [10]
            Os homens, no passado (e como nos dias de hoje), conseguiam sustento na Natureza através das práticas coletoras de frutos e da caça, sendo que em uns lugares uma atividade era mais preponderante que em outras, de acordo com a “oferta” disponível. Na Revista Espírita de Fevereiro de 1864, em uma comunicação do Espírito Percheron sobre a necessidade da encarnação, temos que
As necessidades que vosso corpo vos fazem experimentar estimulam vosso Espírito e o forçam a procurar os meios de provê-las; desse trabalho forçado nasce o desenvolvimento do pensamento; o Espírito constrangido a presidir os movimentos do corpo para dirigi-los em vista de sua conservação, é conduzido ao trabalho material, e ao trabalho intelectual, que se necessitam um ao outro e um para o outro, uma vez que a realização das concepções no Espírito exige o trabalho do corpo, e que este não pode fazer senão sob a direção e o impulso do Espírito. O Espírito tendo assim tomado o hábito de trabalhar, e sendo constrangido ao trabalho pelas necessidades do corpo, o trabalho, ao seu turno, se torna uma necessidade para ele (...) [11]
            O homem, assim, pelo suor do seu rosto (para usar da expressão do Gênese Bíblico) trabalha para sustentar-se, o que lhe desenvolve o pensamento. As conquistas humanas na área da tecnologia, nos nossos dias, estão sendo o clímax destas realizações. Facilitam-nos a vida. Mas nos geram necessidades novas. No entanto, em matéria de sustento material, nosso planeta nos oferece o necessário, o que nos é útil, e não o supérfluo que, quando acumulado por alguns, geram necessidades em outros seres humanos.
            Kardec indaga, então, aos Espíritos da Codificação, na pergunta 705,  por que nem sempre a terra produz bastante para fornecer ao homem o necessário, ao que eles respondem que
(...) A terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se. Se o que ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ele emprega no supérfluo o que poderia ser aplicado no necessário. Olha o árabe no deserto. Acha sempre de que viver, porque não cria para si necessidades factícias.  (...) Em verdade vos digo, imprevidente não é a Natureza, é o homem, que não sabe regrar o seu viver. [12]
                A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), em seu site, tem um artigo interessante chamado “Reduzir o desperdício para alimentar o mundo”. Segundo o informe “Perdas e desperdício de alimentos no mundo”, cerca de um terço dos alimentos que se produzem a cada ano, no mundo, para consumo humano, algo em torno de 1 bilhão e 300 milhões de toneladas, são desperdiçados ou perdidos. As perdas de alimentos, que podem dar-se da fase de produção, coleta e processamento, são mais elevadas em países em desenvolvimento, por conta da precariedade da infraestrutura. O desperdício de alimentos é maior nos países industrializados. Ainda segundo o informe, o índice de desperdício per capita, entre os consumidores, é de 95 - 115 Kg anuais na Europa e América do Norte, ao passo que na África Subsaariana e na Ásia Meridional e Sudeste asiático é de 6 - 11 Kg por pessoa. Os consumidores dos países ricos são estimulados a comprar mais alimentos do que de fato necessitam. As promoções do tipo “Compre três e pague dois” são um exemplo. Além disso, temos as comidas preparadas em excesso por restaurantes. Já devem ter visto serviços de Buffet onde, por preço fixo, os consumidores são estimulados a encher o prato, sem muitas vezes comerem tudo... [13]
            Para muitas pessoas, nos tempos em que vivemos, está faltando o necessário, ao passo que uma minoria detém em excesso riquezas que seriam fundamentais para a sobrevivência de muitos. Quando desencarna um famoso mundial, alguém dos holofotes, parcela significativa da sociedade ocidental sente comiseração, lastima, se entristece... Todos os dias morrem crianças anonimamente na África por desnutrição. Quantas notícias vocês assistem a respeito disso?
            Na África, além das imagens das crianças desnutridas com o ventre inchado, temos as das suas mães que, para amenizar a fome, atam cordas em volta de suas barrigas. Não me refiro ao “espartilho” ocidental, que deixa corpos em forma de violão. São cordas que atam os estômagos para, de alguma maneira, aliviar a fome que constantemente estão sentindo. Mas essa prática pode ser fatal, uma vez que estas mulheres, ao desatarem bruscamente dessas cordas, quando conseguem alimentos, morrem. Nas situações de conflito, onde estas pessoas esquálidas procuram acampamentos fora das áreas conflagradas, são encontradas crianças sozinhas pelos caminhos, cujos pais morreram de fome antes de atingirem um local que lhes ofereça segurança. [14] Segundo o UNICEF, 780 mil crianças podem morrer de fome na Somália se não receberem ajuda imediata. O número total de crianças em situação de desnutrição severa na Somália, Quênia e Etiópia é de 2,3 milhões, neste momento (os dados são do dia 22/07/2011). [15]
            Enquanto isso, o atual presidente dos Estados Unidos, ao defender a retirada das tropas de guerra estadunidenses do “perigoso” Afeganistão, alegando questões de custo como uma das razões para tanto, ele não mentiu. Afinal, referiu-se a uma quantia de 1 trilhão de dólares gastos pelo seu país nos massacres que promove pelo mundo. “A conta total deve ficar entre 3,7 e 4,4 trilhões de dólares, de acordo com o projeto de pesquisa intitulado "Custos da Guerra", feito pelo Instituto Watson de Estudos Internacionais, da Universidade Brown (...)” [16] Não encontrei dados mais recentes, mas em 2006, a Reuters divulgou que
Dois por cento dos adultos do planeta detêm mais de metade da riqueza mundial, incluindo propriedades e ativos financeiros, revelou um estudo realizado por um instituto de desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU) (...)
A riqueza está fortemente concentrada na América do Norte, na Europa e nos países de alta renda da Ásia e do Pacífico. Os moradores desses países detêm juntos quase 90 por cento do total da riqueza do planeta'', disse a pesquisa. (...)
Nós calculamos que os 2 por cento dos adultos mais ricos do mundo possuem mais da metade da riqueza global enquanto os 50 por cento mais pobres, 1 por cento'', disse Anthony Shorrocks, diretor do instituto. [17]
            Por fim, a soma do PIB dos 15 países mais ricos do mundo (o Brasil está em 7º lugar), de 2011, é de 47 trilhões, 772 milhões de dólares (47.772.000.000.000). Nove zeros!
            Será que faltam recursos no mundo, ou eles são mal empregados? Ou eles estão concentrados nas mãos de poucos indivíduos? Quando faço esta pergunta estou pensando na resposta que os Espíritos deram a questão 706 de O Livro dos Espíritos, quando as Inteligências diretoras do Espiritismo disseram que “por bens da Terra se deve, pois, entender tudo de que o homem pode gozar neste mundo.” [18] Estou seguro que os Espíritos ao dizerem “o homem” referem-se a toda humanidade, e não apenas aos ricos.  
708. Não há situações em as quais os meios de subsistência de maneira alguma dependem da vontade do homem, sendo-lhes a privação do de que mais imperiosamente necessita uma conseqüência da força mesma das coisas?
É isso uma prova, muitas vezes cruel, que lhe compete sofrer e à qual sabia ele de antemão que viria a estar exposto. Seu mérito consiste em submeter-se à vontade de Deus, desde que sua inteligência nenhum meio lhe faculte de sair da dificuldade. Se a morte vier colhê-lo, cumpre-lhe recebê-la sem murmurar, ponderando que a hora da verdadeira libertação soou e que o desespero no derradeiro momento pode ocasionar-lhe a perda do fruto de toda a sua resignação. [19]
            Quando falecem os meios de manter-se, quando o sujeito perece de fome, o que, pelo menos para nós já é difícil observar de perto, mas realidade presente na África, aquele que está passando por isso encara duríssima prova. Eu nunca fiquei um dia inteiro sem comer. Quando fico por muito tempo sem alimentar-me começa a doer-me a cabeça. Por quantos dias ficarão sem comer aquelas crianças africanas, bem como suas mães? Na resposta dos Espíritos podemos apreender, também, a importância da resignação, que não quer dizer conformismo. Resignação é a aceitação daquilo que não pode ser mudado no momento. A situação onde seres humanos passem fome pode ser mudada. A fome deve ser combatida. O mundo, como todos nós, estamos em processo dinâmico de transformações. O mundo está sendo. Nós estamos sendo. Sujeitos da História que somos, temos responsabilidade pelo que acontece no mundo, a despeito das distâncias geográficas. Se não tivéssemos responsabilidade, não estaríamos neste planeta. Alguém se lembrou de direcionar o pensamento para os africanos que estão morrendo de fome neste momento? Alguém ficou incomodado que alguns fabricantes do Ipad, da Apple, submeta seus empregados a estressantes jornadas de trabalho a ponto de muitos destes chegarem a cometer suicídio? [20] Será que é moralmente aceitável comprar os baratos produtos chineses, sabendo da ocorrência de trabalho escravo em suas instalações industriais? [21] Será mesmo que não temos nada com isso? Ou somos, de certa forma, financiadores disso?
            Os Espíritos, na resposta da questão 709, informam-nos ainda que, numa situação extrema, onde vários indivíduos estão passando fome, é errado sacrificar algum para servir de alimento para os demais, havendo aí homicídio e crime de lesa-natureza. A postura correta daqueles submetidos a esta situação extremada seria, ainda uma vez, sofrer a prova com coragem e resignação, que lhe granjearia merecimento.
            E por fim,
710. Nos mundos de mais apurada organização, têm os seres vivos necessidade de alimentar-se?
Têm, mas seus alimentos estão em relação com a sua natureza. Tais alimentos não seriam bastante substanciosos para os vossos estômagos grosseiros; assim como os deles não poderiam digerir os vossos alimentos. [22]
            À medida que evoluam, seus corpos acompanharão o desenvolvimento atingido e não serão mais necessários alimentos pesados, como os que estamos acostumados a receber. Imagino, então, que as dietas são aí desnecessárias, uma vez que estes Espíritos já aprenderam a regrar-se. Elegeram o necessário, não o supérfluo. Num sistema onde todos tenham o necessário, os estômagos estarão satisfeitos, porque o coração será mais calmo e repleto de amor.


[1] ROCHA, Daniel Pereira. Tubarões sentem cheiro de sangue a distância? Disponível em: http://noticias.terra.com.br/educacao/vocesabia/noticias/0,,OI3451610-EI8399,00-Tubaroes+sentem+cheiro+de+sangue+a+distancia.html Último acesso em 25 de Julho de 2011.
[2] Idem.
[3] GREGÓRIO, Sérgio Biagi. Lei de Conservação. Disponível em: http://www.sergiobiagigregorio.com.br/palestra/lei-de-conservacao.htm Último acesso em 25 de Julho de 2011. Grifos meus.
[4] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995, p. 337.
[5] GREGÓRIO, Sérgio Biagi. Lei de Conservação. Disponível em: http://www.sergiobiagigregorio.com.br/palestra/lei-de-conservacao.htm Último acesso em 25 de Julho de 2011.
[6] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, Op. Cit., p.337. Grifos meus.
[7] PACIEVITCH, Thais. O Bicho da Seda. Disponível em: http://www.infoescola.com/insetos/bicho-da-seda/ Último acesso em 26 de Julho de 2011.
[8] PACIEVITCH, Thais. Plâncton. Disponível em: http://www.infoescola.com/biologia/plancton/ Último acesso em 26 de Julho de 2011.
[9] OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. Os animais e o homem. Disponível em: http://transformandomundo.blogspot.com/2011/02/os-animais-e-o-homem.html Último acesso em 26 de Julho de 2011. Palestra apresentada dia 8 de Fevereiro de 2011 no Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor.
[10] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Op. cit., p. 337 e 338. Grifos meus.
[11] KARDEC, Allan. Dissertações espíritas - Necessidade da Encarnação. Revista Espírita. Paris, fevereiro de 1864, nº2, p. 35. Grifos meus.
[12] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Op. cit., p.338. Grifos meus.
[13] Reducir el desperdicio para alimentar al mundo. Disponível em: https://www.fao.org.br/vernoticias.asp?id_noticia=1006 Último acesso em 26 de Julho de 2011.
[14] GIACOSA, Guillermo. La faja gástrica africana. Disponível em: http://peru21.pe/impresa/noticia/faja-gastrica-africana2/2011-07-22/309208 e http://peru21.pe/impresa/noticia/banda-gastrica-africana1/2011-07-21/309134 Último acesso em 26 de Julho de 2011.
[15] NASSIF, Luiz. A tragédia social da Somália. Disponível em: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-tragedia-social-da-somalia?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter Último acesso em 26 de Julho de 2011.
[16] TROTTA, Daniel. Custo de guerras dos EUA deve superar US$: 3,7 trilhões, diz estudo. Disponível em: http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPE75S04W20110629 Último acesso em 26 de Julho de 2011.
[17] REUTERS / BRASIL ON LINE. ONU: apenas 2% detêm mais da metade da riqueza mundial. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/mat/2006/12/05/286900968.asp Último acesso em 26 de Julho de 2011. Grifos meus.
[18] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Op. Cit., p.338.
[19] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Op. Cit., p.340. Grifos do autor.
[20] Fornecedora do iPad na China registra a 10ª morte em um ano. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/tec/740452-fornecedora-do-ipad-na-china-registra-10-morte-em-um-ano.shtml Último acesso em 26 de Julho de 2011.
[21] NASSIF, Luis. O trabalho escravo na China. Disponível em: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-trabalho-escravo-na-china Último acesso em 26 de Julho de 2011.
[22] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Op. cit., p. 340.