sábado, 17 de dezembro de 2011

Um grande amigo

            Como é difícil falar de um amigo. Como não esquecer alguma qualidade sua? Como priorizar, nas lembranças que se organizam, aqueles eventos mais marcantes. Sempre dá medo de deixarmos algo de fora. Mas vamos falar dele com aquilo que nossa memória recupera de momento.
            Eu o conheci num jardim, no bairro de Inhaúma, na cidade do Rio de Janeiro, em Janeiro de 2000. O mundo, como muitos esperavam, não acabara. Para mim, começava um mundo de emoções, de alegrias e, porque parte da experiência humana, algumas angústias e tristezas. Eu o conheci criança. Recém-nascido quase. “Esse é o mais espertinho. Leve-o contigo”, disse-me a pessoa que o apresentou-me. Confesso que me encantei por aquele ainda frágil amigo. Telefonei para minha casa e falei com minha mãe. Moravam comigo outros quatro amigos, a saber: Bem-Hur, Minie, Shaiane e Violeta. Perguntei à minha mãe se haveria a possibilidade de acolhermos mais um em nossa casa, ao que ela deixou a decisão em minhas mãos. Isso ela fazia quando não queria assumir a responsabilidade da escolha, mas ao mesmo tempo sabedora que eu faria a opção positiva. Meu amigo me acompanhou, no ônibus 711 (Rio Comprido – Rocha Miranda), até minha casa, agora nossa casa. Cabia em minhas mãos. Chorava, angustiado. Notei que era elétrico, agitado.
            Como faz a alegria de uma casa uma criança, mesmo que essa criança não seja da espécie humana. Batizado como “Popó” por meu pai, em homenagem ao lutador de boxe do momento, rapidamente ele fez a festa da casa. Bagunceiro que ele só! Cresceu amigo de uma poodle, brincavam muito mesmo. Rapidamente ele ficou muito maior que ela. Filho de uma linda vira-lata marrom, peluda, com um pitbull que não conheci.
            Criamos cinco cachorros na marra. Comiam restos de comida conseguida num restaurante próximo de casa. As condições financeiras não eram boas. A maioria dos nossos animais morreu por doenças evitáveis, que a vacinação pouparia. Popó foi o único animal que as circunstâncias (financeiras, momentâneas) ajudavam. Quando adoecia (e não foram poucas vezes), graças a Deus, sempre havia alguma grana para socorrer-lhe.
            Popó cresceu, crescemos juntos. Ele em tamanho, eu em admiração e respeito pelos animais. Quantas brincadeiras! Imaginem a força de um pitbull com tamanho maior por conta do cruzamento com um animal maior. “Luta livre”, corridas... E para passear na rua? Às vezes eu tinha a sensação que ele levava-me para passear, e não o contrário.
            Popó era a sombra de minha mãe. Aonde ela ia, ele ia atrás. Era algo parecido com a relação Terra-Lua. Quando ele cochilava e ela saia de perto, era até engraçado vê-lo procurando-a pela casa até encontra-la. E quando chegávamos da rua? Uma festa avassaladora! Quando minha mãe passou por algumas internações hospitalares, ele ficava no quintal, olhando para a rua, esperando-a. Entrávamos eu e meu pai em casa e ele nada. Apenas para comer. Depois tornava a sair.
            As doenças foram desafiadoras. Escapou de um envenenamento. Ouvi, na SUIPA, um belo sermão do veterinário sobre o problema que isso causa e dos riscos que meu amigo correu. Ressalto que nunca coloquei veneno na casa, mas nem todos em meu lar avaliavam os riscos. Em todo caso, a partir daí, este mal foi definitivamente banido.
            Sinistro foi quando ele contraiu Leptospirose! Dependia da carona de conhecidos para levar meu amigo na SUIPA. O tratamento era diário. Soro lento, com medicações. Veterinários e auxiliares de enfermagem, ao tocarem no Popó o faziam com luvas. Vi o risco que eu corria e pensei comigo mesmo: “Eu não vou pegar essa doença, de jeito nenhum!” E continuei. Superada a primeira semana, receitaram-lhe Benzetacil. E como aplicar injeções? Aprendi. Apliquei a primeira. Popó, que não reclamou de nenhuma dor até aquele momento sentou-se de dor! “Estou ferrado”, pensei! Ainda tenho que aplicar-lhe mais 29 injeções de 0,5 ml durante um mês! E assim foi. No horário das injeções, notava a angústia nos seus olhos, mas nunca mais reclamou. E vencemos a Leptospirose, com a graça de Deus.
            Tive anos difíceis entre 2005 e 2009 no que respeita a doenças em familiares. Descuidei de uma das vacinas de meu amigo (a de 2009) e eis que, em 2010, para meu desespero, ele contraiu a temível Cinomose! O mundo caiu na cabeça. Popó andava arrastando o traseiro no chão. Tinha dificuldades de urinar. Na internet pesquisei uma veterinária. Liguei e ela veio. Receitou-lhe Cinoglobulin (encontrável em lojas vinculadas a clínicas veterinárias. Encontrei no Gato Xadrez, em São Cristóvão) e uma medicação para o fígado que não me recordo o nome. Eis que se verificam melhoras. O cachorro começou a andar novamente. Fiquei maravilhado. Mas, uma semana depois, os sintomas retornam... Liguei para a veterinária e ela, pasmem, disse-me que era normal ele ter, novamente, dificuldades de andar (mesmo depois de ter apresentado melhoras) e que eu deveria fazer-lhe massagens... Pesquisei, novamente, na internet e eis que encontrei um veterinário de uma clínica veterinária de Higienópolis (Veterinária Rio, tel.: 2270-5039) que vinha em casa. Dr. Gustavo veio, examinou-lhe e acrescentou o Organoneurocerebral, além da repetição do Cinoglobulin. Foi sincero ao afirmar que o quadro era difícil. No entanto tentamos. E eis que fomos compensados pelo esforço. Com a graça de Deus, Popó voltou a andar. Ficou com sequelas neurológicas. Seu equilíbrio já não era mais o mesmo mas, mesmo assim, conseguia andar bem. O ano de 2010 teve esse momento de angústia superado. Recordo-me que começou a apresentar os sintomas da doença um pouco depois da vacinação anual da Raiva, promovida pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Preocupei-me com isso porque li, pela imprensa (e ouvi relatos) de que a vacina estava afetando os animais. Estariam desenvolvendo sintomas que, a princípio, julguei muito parecidos com o que apresentou Popó, principalmente o “descadeiramento”. Recentemente (Dezembro de 2011) ouvi relatos de que a vacinação, igualmente, causou problemas em alguns animais, chegando a provocar óbitos.
            Meu amigo em 2011 estava com 11 anos de vida. Uma vida feliz, alegre, cheia de desafios vencidos. Mas tinha contra ele o tempo. E quem pode contra o tempo? Era um idoso com alma juvenil. Os cães envelhecem mas parecem não perder o espírito infantil. Podemos notar certa jovialidade de alma (se me permitem) apesar do corpo cansado. E os efeitos do tempo não esperaram. Popó, eventualmente, vomitava. Reparamos que isso parecia ocorrer quando fazia suas refeições e bebia água. Começamos a nos precaver. Quando colocávamos comida, retirávamos a água por um tempo. Notamos que ele começou a acordar na madrugada para urinar. Acostumei-me a levantar-me todas as noites entre as 2 e as 4 horas da manhã para abrir-lhe a porta de casa para que se aliviasse. Não fizemos a leitura dos sintomas.
            Eis que chega o calvário de nosso amigo. Certa noite, notei-o agitado, indo de um lado para outro. Angustiado mesmo. Abria-lhe a porta, ele andava pelo quintal, rodava, rodava, às vezes urinava e depois voltava. Assim que entrava manifestava vontade de sair novamente. Ao dia seguinte, entrei em contato com o Dr. Gustavo que veio examinar-lhe. Ao tocar na região dos rins, notou que provocou dor em Popó. Os sintomas que apresentava (vômitos eventuais) poderiam ser sinal de complicações renais. Colheu sangue para análise. No dia seguinte a notícia: os índices de uréia e creatinina estavam altíssimos. No segundo e último exame (dia 26/10/2011) que fez, tinha 177,0 de uréia (normal 21,0 – 60,0) e 4,3 de creatinina (normal 0,5 – 1,5), além da ALT/TGP em 592,0 (normal 21,0 – 102,0). E mesmo assim continuou comendo. Fizemos três dias de soroterapia. Baixaram pouco os índices. Uma ultrassonografia abdominal foi reveladora. Meu amigo tinha duas lesões renais, uma em cada rim. Eram sugestivas de câncer. Um punção do líquido de uma delas foi feita e eis que recebi a triste notícia: era câncer. Não havia muito a fazer. Apenas cuidados paliativos. E o fizemos.
            Popó durante um mês comeu frango e peixe (uma vez), com arroz. De vez em quando vomitou. Sai do consultório com Ranitidina (para o estômago) prescrita, além de uma vitamina (Metacell Pet), ambas que ele tomou até o fim. Os vômitos aumentaram. Aumentamos a dose da Ranitidina (depois de consultar Dr. Gustavo). Eis que no dia 1° de Dezembro meu amigo acorda na madrugada novamente angustiado, um pouco parecido com o que ocorrera no final de Outubro. Na manhã daquela quinta-feira ele manifestou dor. Foi prescrito Dorless (tramadol, medicamento a base de ópio). Não adiantou. Foi associada outra medicação, anti-inflamatória. Não adiantou. As suas dores nos cortavam o coração. Nosso amigo não conseguia mais descansar. Tinha breves períodos de sono. Quando acordava, queixava-se. Liguei para o veterinário. Ele prescreveu aumentar a dose do Dorless. Ao invés de 2 comprimidos de 12 e 12 horas, passaria a tomar 3 comprimidos de 6 em 6 horas. Notei que estava adiando o inadiável.  Meu amigo partiria em breve. A eutanásia, que já vinha na minha pauta desde a notícia do câncer, surgiu com força agora. Durante o mês de Novembro tentei preparar o ânimo de minha mãe para o passamento de Popó, chamando-lhe a atenção para sua idade avançada e a gravidade da doença. Na manhã de sábado, dia 3 de Dezembro, optamos pela eutanásia. Notávamos sua dor aumentando. Nosso amigo, que diante de 30 doses de 0,5 ml de benzetacil não se queixara, agora estava reclamando de sua dor sem parar.
            Leva-lo para a clínica foi doloroso. Chorei pelo meu amigo como se fosse um parente. Que digo! Às vezes os animais são mais próximos que muitos parentes e vizinhos. Deixei meu amigo anestesiado e sai, não antes de abraçá-lo e o beijar. Agora sei que, onde está (se é que já não reencarnou) está melhor. Sem dores. O veterinário disse-me que cães em situações desse tipo às vezes não duram nem uma semana. Popó resistiu um mês!
            Que onde nosso amigo estiver, que receba nossas melhores vibrações de amor e carinho. Espero um dia reencontrá-lo. Por que não?