domingo, 6 de julho de 2008

O Anti - Semitismo e suas consequências


A temática da violência, porque imersa no nosso cotidiano, sempre me atraiu a atenção. Vestida de mil maneiras, ela encontra-se hoje marcando pessoas, física e psicologicamente. Muitos já a encaram com indiferença, enquanto não atingidos por ela. Alguns desejam resolve-la promovendo mais violência, esforço parecido com o de quem deseja apagar um incêndio usando, ao invés de água, gasolina. No entanto, vale refletir, quem não carrega dentro de si um pouco de violência?  

Acredito que um estudo sobre o anti-semitismo e suas conseqüências na Segunda Guerra Mundial pode servir para identificar a recorrência de certas práticas que sempre chocam pessoas com alguma sensibilidade. Os noticiários da grande imprensa, nos dias de hoje, tem invocado um sentimento de revanchismo no que se refere aos criminosos. Medidas como tortura e execução parecem válidas para instituições e populares. A imagem dos criminosos é super-dimensionada, passando estes a serem os grandes vilões da sociedade, enquanto que, por baixo dos panos, nos bastidores das decisões, as coletividades são roubadas por homens que usam como armas canetas. Não estou defendendo criminosos. Quero somente que as leis se cumpram. Não admito a demonização de ninguém. Os judeus, por largo tempo, mesmo não cometendo crime algum, foram vistos como ameaças e sofreram, forçando a comparação, um processo parecido de supervalorização da sua força, o que lhes daria, nas mentes que aceitaram essas idéias, um poder diabólico.

Uma outra reflexão que me motivou pesquisar este assunto, para efeito do trabalho de conclusão do curso sobre Segunda Guerra Mundial, foi a situação que vive o povo palestino. Tenho a impressão que esse povo, refugiado em sua própria terra, sob rígido controle (que chega mesmo as raias da violência física) do Estado de Israel, vive uma experiência de sofrimento que me traz à lembrança aquilo por que passaram muitos judeus, quando tiveram suas vidas encapsuladas nos guetos e rigidamente controladas por uma legislação perseguidora. Estou seguro que a vivência dos judeus, no contexto da Segunda Guerra, difere da experiência dos palestinos e da nossa, em contato com a violência do cotidiano. Mas é inegável que certas práticas parecem permanecer. Um estudo sobre anti-semitismo, portanto, reveste-se de importância e tem muito a oferecer aos homens de hoje que carregamos os prejuízos de ontem.

Através do trabalho de Pierre Sorlin, intitulado “O Anti-Semitismo Alemão” sabemos que os judeus chegaram na região do vale do Reno junto com os exércitos romanos. Em outras regiões, como a Renânia, a sua presença era quase tão antiga quanto a dos germanos. Ainda assim, os anti-semitas consideravam os judeus como estrangeiros, sem elementos de ligação com o solo germânico. 

Entre os séculos IX e XI, as comunidades judaicas espalharam-se significativamente. Apesar de alguns cultivarem o solo, um número maior dedicava-se ao artesanato e ao comércio, que era limitado para surgir concorrência, sendo que os comerciantes, fossem cristãos ou judeus, conjugavam esforços ao invés de competirem. As comunidades judaicas, ativas e detentoras de um notável conhecimento da Sagrada Escritura, tornaram-se motivo de preocupação para os cristãos, pois os judeus faziam prosélitos que resultaram em conversões. A Igreja assegurava a liberdade religiosa oficialmente. Alguns chefes eclesiásticos, no entanto, optavam pela violência. Conversões e batismos forçados entraram na pauta e foram praticados. 

Pelos fins do século X, os judeus começaram a se reunir todos num mesmo bairro, por uma questão de comodidade: pessoas que tinham interesses em comum e que desejavam permanecer perto umas das outras. O século XI foi um período de tensão. As expedições dos cruzados a Jerusalém provocaram uma verdadeira exaltação coletiva. Estes indivíduos sentiam-se numa missão que lhes permitia transgredir leis e tomar medidas que considerassem necessárias ao bem comum. Os cristãos acreditavam que a supressão, pela conversão ou extermínio, de todos os focos de resistência à fé era uma excelente obra religiosa. Boatos aparecem fazendo das comunidades judaicas cúmplices dos invasores que ameaçavam os países cristãos. Os bairros dos judeus foram pilhados em algumas cidades como Worms, Mogúncia e Colônia, e muitos judeus assassinados. Os pogroms apresentavam características recorrentes. Não se originavam de nenhum pretexto concreto. Quem agia eram sempre as pessoas humildes. Os que tinham melhores possibilidades financeiras desaprovavam, mas não intervinham. A religião virava pretexto: buscava-se a conversão do infiel. O interesse material, porém, estava sempre presente. Assim, as casas dos judeus foram saqueadas e as propriedades dos que morreram ou dos que fugiram eram vendidas. O ódio ao judeu reinava em toda a Europa e, apesar de ser proibido persegui-los, quando isso ocorria, não provocava indignação. 

A partir do século XII as comunidades judaicas tomaram consciência de que viviam em constante perigo, sob a ameaça de que as perseguições se repetissem. A situação política da região que viria a ser a Alemanha lhes favorecia, afinal, ali o poder era descentralizado e a questão judaica era uma oportunidade que os imperadores tinham para tentar intervir na região. As perseguições, além disso, na maioria das vezes, não eram generalizadas, o que permitia às comunidades fugirem das regiões que as perseguiam para outros locais. Tanto os imperadores quanto os senhores feudais jogavam com o medo dos judeus para tirarem proveito. Impunham-lhes condições rigorosas (pesados tributos muitas vezes) para permanecerem em certa localidade em troca da garantia de que não seriam massacrados. 

Temendo os motins populares, que se traduziam na pilhagem de seus estabelecimentos, os judeus estavam sempre em alerta para fugirem. A posse do dinheiro tornava-se uma necessidade, porque era a única coisa que podiam carregar facilmente. Por isso, os judeus começaram a trabalhar emprestando dinheiro a juros, muitas vezes elevados, porque não podiam contar com garantias sérias. Quando existiam muitos endividados numa região, os judeus eram daí expulsos.

Pelo século XII os judeus começaram a ser isolados do resto da população e de uma forma cada vez mais rigorosa. Foram segregados em bairros de péssimas condições e tiveram a liberdade destruída, sofrendo limitações de horários e dias para saírem do bairro onde moravam. As perseguições tinham um elemento comum: a fé. Os judeus deveriam aceitar o cristianismo ou desaparecerem. Acusações de que os judeus matavam os cristãos para usarem o seu sangue em rituais dos seus cultos e de que costumavam apunhalar hóstias consagradas surgiram, bem como a responsabilização por flagelos de doenças. A partir de então, começaram a atribuir aos judeus um poder maléfico.

A partir do século XVI os pogroms foram mais esporádicos e limitados. Os cristãos invadiam os bairros judeus, incendiavam as casas, saqueavam as lojas e retiravam-se. Havia vítimas, mas não se tratavam mais de massacres coletivos. A utilização de empréstimos tomados aos judeus crescera. Os soberanos, particularmente, precisavam bastante dos seus serviços. Só no terço final do século XIX os judeus tornaram-se, diante da lei, criaturas humanas no sentido pleno. A despeito disso, por que entre a existência de leis e o seu cumprimento existe uma distância, foram afastados do exercício de diversas funções, restando-lhes as profissões liberais, como o jornalismo, a política, o comércio e as agências financeiras, pouco consideradas pelos alemães.

No contexto da Revolução Francesa, territórios situados a margem esquerda do Reno foram anexados pela França. As classes dirigentes perceberam a situação de risco em que se encontravam. Os judeus sãos os primeiros a reclamar seus direitos, numa tentativa de alcançarem as vantagens dos seus irmãos que moravam no outro lado do Reno. Os alemães começaram a vislumbrar a necessidade de se criar uma unidade, baseada nos elementos comuns que dispunham: a língua e a história. Passavam a considerarem-se, assim, elementos de uma tradição única, que só podia manter-se mediante a eliminação de todas as impurezas. Consideravam que o judeu autêntico jamais se integraria na sociedade alemã. Foram feitos esforços no sentido de que os judeus renunciassem a sua fé. Aconteciam também movimentos de segregação, iniciativa que partira dos meios universitários, já que estes se consideravam responsáveis pela pureza da raça alemã. Em muitas universidades encontravam-se núcleos estudantis anti-semitas e massacres ocorreram, provocados e dirigidos por estudantes, no verão de 1819.

Em 1873, depois de uma grande fase de desenvolvimento econômico, houve uma grave crise financeira na Alemanha e os valores da Bolsa de Berlim colapsaram. Houve bancarrotas e escândalos financeiros envolvendo alguns judeus. Por terem colaborado no desenvolvimento industrial, tornaram-se símbolos do capitalismo apátrida e egoísta. Desencadeou-se uma violenta campanha anti-semita. Jornalistas difamadores vêem por detrás de todo escândalo a presença de um judeu.

No mesmo ano, um jornalista chamado Wilhelm Marr publicou uma obra intitulada “A Vitória do Judaísmo sobre a Germanidade”. A sua convicção de derrota apelava para os sentimentos de inveja e pintava um quadro sombrio de uma minoria que crescia cada vez mais em poder. O “inimigo” era agigantado e lhe conferiam poderes quase sobrenaturais. Em seis anos essa obra teve doze edições. No ano de 1879 fundou a “Liga dos Anti-Semitas”. Outros grupos surgiram, as vezes efêmeros, mas que não escondiam suas sinistras intenções, como a “União para o Extermínio dos Judeus”. Em fins do século XIX, o anti-semitismo estava caracterizado. Contava com jornalistas, intelectuais e professores, além da simpatia de agricultores descontentes e pequeno burgueses.

Adolf Hitler cresceu em um ambiente hostil aos judeus. Em Linz, onde viveu a infância, estes eram mal vistos. Consideravam-nos estrangeiros e exploradores do povo. No ano de 1907, aos dezoito anos de idade, foi para Viena, onde até pouco antes da Primeira Guerra um partido anti-semita dominou. Ai passou os anos decisivos da sua formação. Depois se transferiu, em 1913, para o berço do movimento nazista, Munique, na católica Baviera. O anti-semitismo não é uma infecção que se pega de uma só vez. É claro que Hitler já devia ter estereótipos em sua mente, produtos do ambiente e da educação da época, pois a uma antiga desconfiança adquirida em família, se junta um sentimento de profunda repulsa, que vai se tornando uma idéia fixa.

O ódio que desenvolveu não lhe fez montar nenhum programa anti-semita, servia para aumentar o orgulho de Hitler em pertencer ao povo alemão. Em Mein Kampf, no capítulo XI, traça um paralelo entre as virtudes do ariano e os vícios do judeu. Em 1926, posto em liberdade depois do fracasso do golpe de Munique, publica um segundo volume, com um tom diferente. Já se considerava o líder da Alemanha e traça as linhas mestras do seu programa. Os judeus foram apresentados como inspiradores da coalizão anti-germânica espalhada pelo mundo. Antes de chegar ao poder, Hitler não voltaria a abordar a questão. A ascensão ao cargo de Chanceler não provocou grandes mudanças. Ele fingia sempre considerar o anti-semitismo como um aspecto secundário da sua política. Defendia que na Alemanha não havia perseguição, mas defesa dos direitos do povo alemão. Buscava não chocar a opinião pública mundial. Pierre Sorlin acredita que ele não definira integralmente o objetivo de sua política judaica. Esse autor fala que, comparando-se os primeiros discursos com os de 1938 – 1939 e os do período da guerra, verifica-se que a perseguição passa a ser aceita.

Nos jornais alemães de 1928 encontravam-se nas primeiras páginas, nomes de personalidades israelitas. Desde o século XVIII vinha a Alemanha presenciando o aparecimento de muitos intelectuais judeus, mas raramente lhes dera esta atenção. Parecia que o fato de ser judeu não era mais um “crime”. Os estudantes citavam abertamente seus professores judeus. A integração parecia próxima. A guerra colocou os judeus ao lado dos outros cidadãos, pois estes participaram ativamente dos esforços para a tentativa da vitória. A República, que se seguiu a derrota militar, era favorável aos judeus. A aristocracia e a alta burguesia continuavam vivas, mas discretas. A sociedade se abriu aos judeus, que aproveitaram amplamente a situação.

Na política, que os alemães, segundo Sorlin, desprezavam, os judeus encontraram o caminho livre. A maioria dos grupos políticos, especialmente a social-democracia, recorria aos judeus. A rápida irrupção na sociedade e na vida política foi catastrófica para os judeus. Eles surgiram como os beneficiários da vitória dos aliados. Questionava-se se eles não teriam provocado a derrota, aliando-se aos inimigos. As condições de paz impostas pelos vencedores provocaram um choque e todos os que se aproveitaram do Tratado de Versalhes eram tidos por suspeitos. A República e a assimilação dos judeus estariam, assim, desde o início, intimamente ligadas e provocaram hostilidade.

As tentativas da estrema esquerda de conquistar o poder suscitou o seguinte raciocínio: a Revolução é promovida pelos judeus. Alguns revolucionários, como Rosa Luxemburgo, eram israelitas. O caráter internacional da Revolução chamou a atenção. Quem, senão os judeus, tem relações em toda a Europa? Os bons operários não são subversivos. Deve ter havido uma influência exterior. A classe operária é nacionalista, só o judeu é internacionalista. A relação entre judaísmo e comunismo internacionalista estava dada, apesar da atitude conservadora da maior parte dos israelitas. As massas acusavam os judeus de terem provocado a desordem. Nas memórias dos generais, publicadas entre as guerras, está presente a idéia de que os judeus arruinaram a Alemanha por dentro, através do internacionalismo.

O anti-semitismo alemão não morrera. A aparente integração dos judeus servia para agravá-lo. As reações anti-semíticas foram mais violentas que as do fim do século XIX. Brochuras anti-judaicas são publicadas, entre elas, “Os Protocolos dos Sábios de Sião”. Os alemães não sabiam que se tratava de um simples plágio de um panfleto escrito contra Napoleão III. Nesta obra, um judeu anônimo expunha um plano delirante de conquista mundial. Quando Hitler está no poder, o Ministério da Educação da Alemanha prescreveu este livro como compêndio escolar.

Desnorteados pela derrota, pela Revolução e pela inflação, os alemães procuravam uma referência para orientarem-se e acabaram voltando-se para a originalidade nacional. A Alemanha é um país diferente, que possui uma força que a vai levantar. Esta esperança é a raça. O temor de que o precioso sangue alemão fosse contaminado transformou-se em obsessão.

Todo movimento de extrema direita que se proclama “nacional”, deve, obrigatoriamente na República de Weimar, ser anti-judeu. O nazismo aí se enquadra. Muitos alemães provaram um vago sentimento de inquietude e de ódio ao judeu, apesar de, ao mesmo tempo, terem conhecido pessoalmente alguns israelitas, amigos seus, que não gostariam de ver nos guetos. 

Em 1935, o governo nazista promulgou a “Lei para a Defesa do Sangue e da Honra” (as “Leis de Nuremberg”) que proibia os casamentos e as relações extra-conjugais entre judeus e alemães não judeus (arianos), sob ameaça de severas penas, inclusive a morte. A justiça alemã considerava gravíssimo um “crime racial” porque os nazistas consideravam que este afetaria as gerações futuras e a pureza da raça alemã. A política oficial nazista era excluir radicalmente os judeus da vida econômica, social e cultural, e forçar sua expulsão do país. Cerca de quatrocentos decretos anti-judaicos foram impostos para isso. A partir de 1939, todos os judeus foram obrigados a adotar “Israel” e “Sara” como seus primeiros nomes. Essas leis anti-judaicas forma implantadas também fora da Alemanha à medida que esta anexava territórios e países, até o início da guerra em 1939.

Para Hitler, a história da humanidade era uma permanente luta entre as raças. O combate contra os judeus era justificado como uma necessidade biológica. Os discursos nazistas referiam-se aos judeus como “ratos”, “parasitas”, “bacilos”, “agentes de contaminação”. Um ideólogo do partido, Rosemberg, acreditava que o judeu representava na história o oposto metafísico do ariano. Quanto mais o judeu é humilhado, mais o ariano se sente exaltado. Os alemães mediam sua força e sua grandeza pela fraqueza dos judeus. Ele avaliava as vantagens que tinha ao compará-las com as privações impostas aos judeus.

Houve, no entanto, muitas oscilações na política anti-semita alemã entre 1933 e 1939 e havia conflitos na cúpula nazista sobre como combater os judeus, se através de leis e medidas burocráticas ou através da violência aberta. A Noite dos Cristais em 9 de novembro de 1938 foi uma vitória dos nazistas que eram favoráveis as medidas violentas. Utilizando como pretexto o assassinato de um funcionário da embaixada alemã em Paris por um jovem judeu, os nazistas organizaram um gigantesco ataque contra os judeus em toda a Alemanha. Lojas arrasadas, sinagogas destruídas, vinte a trinta mil judeus presos em campos de concentração, e 36 mortos.

Durante a Segunda Guerra Mundial a discriminação e a perseguição aos judeus foram implantadas nos países da Europa ocupados pela Alemanha nazista. As medidas e as conseqüências variaram de país a país. Os aliados ou neutros eram pressionados pela Alemanha a também adotar uma política de restrição contra os judeus.

Na Polônia, o processo de perseguição aos judeus foi rápido, violento e sem qualquer inibição legal. As comunidades judaicas lá não constituíam apenas o maior núcleo populacional judaico do mundo. Eram o principal centro cultural, religioso e político dos judeus, que sofreram violências e humilhações diárias. Milhares morreram durante a invasão do país. Os alemães objetivavam confinar todos os judeus na parte oriental do país. Em 26 de outubro de 1939, os judeus entre 14 e 60 anos foram obrigados a trabalhos forçados, depois proibidos de freqüentar cinemas e teatros, escolas e universidades, além de usar o transporte público. Foram excluídos das profissões liberais e da legislação social. Tiveram seus negócios expropriados. O uso de uma braçadeira branca com a estrela de David foi imposto a partir de 23 de novembro de 1939 e a estrela amarela a partir de 1° de setembro de 1941. Com esses distintivos eram facilmente identificados.

Na etapa de concentração dos guetos, o objetivo nazista era expulsar os judeus da Europa ocupada. Himmler desejava uma grande imigração dos judeus para a África ou outra colônia. Um dos planos era mandá-los para Madagascar, uma ilha no sudeste da África, mas o plano fracassou, por conta da hegemonia naval britânica nessa região. As deportações dos judeus alemães para a Polônia começaram em fevereiro de 1940, apesar de decidirem pela permanência dos judeus mestiços (com dois avós judeus e os cônjuges de casamentos mistos) para salvarem a “metade alemã do sangue”.

A fome nos guetos era crônica. A ração alimentar média era de 800 calorias, supridas pelas organizações judaicas de assistência. O gueto era fechado, sendo a saída excepcionalmente permitida. Os alemães criaram Conselhos Judaicos (Judenrat), que deveria fazer um recenseamento da população e servir de intermediário para a implementação das ordens alemãs. Os Conselhos cobravam impostos, ajudavam a maioria pobre e organizava os trabalhos forçados. Os nazistas estabeleceram, também, em cada gueto, uma polícia judaica e, para conseguirem voluntários, ofereciam vantagens como casa melhor e mais comida. Contra o Judenrat, considerado colaboracionista, parte dos moradores do gueto de Varsóvia criou Comissões de Casas, organizadas por edifícios, para ajudar os mais pobres que não estariam sendo devidamente auxiliados pelas instituições ligadas ao Conselho.

Em 22 de Junho de 1941, a Alemanha nazista invadiu a União Soviética. Com essa atitude, começou o extermínio em massa dos judeus europeus sob o domínio do nazismo, principalmente através de fuzilamentos realizados por unidades especiais que acompanhavam o exército alemão. Objetivavam libertar Moscou do jugo judeu-bochevista. Uma unidade do exército fez propaganda ideológica e preparou folhetos.

Em cada cidade aonde os alemães chegavam mandavam reunir os judeus e, após recenseá-los, sob o pretexto de que seriam “reassentados para trabalhar” em regiões pouco povoadas. O extermínio era escondido a todo o custo, até o final. Eram mortos com um tiro na nuca ou alinhados em fila, em locais próximos a trincheiras anti-tanques ou valas muitas vezes cavadas por eles próprios. Frequentemente eram obrigados a deitar nas covas e eram mortos em blocos.

O método de matar era tema de discussão entre os nazistas. Otto Ohlendorf, comandante do Einsantzgruppen A, usava o método de fuzilamento, ao invés do tiro na nuca em que o soldado ficava perto da vítima, o que poderia dar margem a tentativas de reação de quem se pretendia matar. Essa obsessão de encontrar uma maneira de matar em massa e de forma impessoal acabou desembocando na utilização dos caminhões / câmaras de gás móveis. Estes eram adaptados de forma que o escapamento ficasse voltado para dentro da carroceria e o gás fosse produzido pelo funcionamento do motor. A asfixia demorava 15 minutos. Ao abrir as portas do caminhão, os mortos tinham a face desfigurada e os corpos cobertos de fezes. Os nazistas obrigavam os judeus a retirarem os corpos e os enterrarem. O método foi abandonado porque o número diário de mortos estava aquém da pretensão nazista de matar milhões de judeus.

Os campos de extermínio eram seis, todos localizados na Polônia. Os campos de Sobibor, Belzec, Chelmno (Kulmhof) e Treblinka foram construídos para o extermínio. Auschwitz-Birkenau e Maydanek eram imensos complexos em que havia um campo de extermínio e também um campo onde foram instaladas indústrias que empregavam o trabalho forçado dos presos. Os judeus chegavam aos campos de trem vindos dos seus países de origem ou da Polônia, no caso dos que haviam sido deportados para este país entre 1939 e 1941. Todos os campos de extermínio, da mesma forma que os guetos, forma construídos em locais próximos de importantes entroncamentos ferroviários para facilitar as deportações. Nestes transportes, com vagões superlotados, morria elevado número de pessoas por falta de água e ventilação. Os trens eram hermeticamente fechados. Ao chegar aos campos de extermínio, os judeus eram levados para as câmaras de gás. Em Auschwitz e Maydanek uma parte dos que chegavam era selecionada para trabalhos forçados. Esse procedimento era feito por médicos, que decidiam quem ia viver e quem ia morrer.

Quando os judeus chegavam aos campos de extermínio, os nazistas mentiam-lhes sobre seu destino. As câmaras de gás eram disfarçadas de banheiros com chuveiros para desinfecção. Na ante-sala das câmaras, os alemães diziam aos judeus que estes iam tomar um banho. As vítimas se despiam e recebiam cabides numerados com a recomendação de não esquecer onde tinham deixado a roupa. Podiam receber também sabão. Muitas vezes eram obrigados a entrar com os braços levantados para ocupar menos espaço. Os guardas impediam conversas entre os presos do campo e os recém-chegados. Pretendiam que caminhassem sem pânico e em boa ordem para a câmara de gás.

Em Treblinka, utilizou-se monóxido de carbono nas câmaras de gás. A asfixia por esse gás podia demorar três horas e exigia o funcionamento de um motor. Foram feitas diversas experiências com vários tipos de gás e o que matava mais rápido era o Zyclon B (ácido prússico), um inseticida. Este gás matava as pessoas num intervalo de três a dez minutos. A operação de retirada dos cadáveres das câmaras de gás era feita por um comando de trabalho formado por judeus. Os nazistas não queriam lidar com os cadáveres. A retirada de três mil corpos podia durar seis horas. Os judeus dessa unidade recebiam certos “privilégios” no campo, como um barracão especial e um pouco mais de comida, e acreditavam que não seriam mortos devido a importância do seu trabalho. A cada três meses aproximadamente, os nazistas matavam esses judeus e faziam novas equipes.

Após a retirada dos cadáveres, eram extraídos os dentes de ouro. Depois eram queimados. A gordura que saia dos corpos era reaproveitada para alimentar o fogo dos crematórios, as cinzas como adubo, os ossos para a fabricação de produtos industriais. Os pertences dos mortos eram aproveitados.

Nos campos onde existiam empresas instaladas, a expectativa média de vida de um preso que trabalhava nestas fábricas era de três a seis meses. Nas minas de carvão que existiam perto do campo, a expectativa média de vida era de um mês. Quando os presos já estavam tão fracos que não podiam trabalhar, eram enviados para as câmaras de gás e substituídos pelos judeus recém-chegados das deportações.

Roney Cytrynowicz, no seu livro “Memória da Barbárie, a história do genocídio dos judeus na Segunda Guerra Mundial”, chama a atenção para a figura de Adolf Eichmann, o encarregado de coordenar as deportações para o extermínio dos judeus, que seria o retrato do que a filósofa Hannah Arendt chamou de banalidade do mal. O crime contra os judeus estava de tal forma imerso no cotidiano das pessoas que o genocídio foi realizado sem que se colocasse a questão de qualquer constrangimento ético. No nazismo, foi abolido o conceito de que matar inocentes é crime. Matar os judeus era a lei. Eichmann levou essa conduta ao extremo. Ordenou, de forma burocrática, a deportação para o extermínio de milhões de inocentes. Ele não se colocava qualquer sentimento de culpa, porque seu trabalho era sancionado pelo Estado e pela sociedade. Para ele, tratava-se de uma boa oportunidade de emprego e carreira.

Para que o extermínio funcionasse normalmente naquele Estado, era preciso que cada alemão continuasse a executar sua tarefa da mesma maneira rotineira com que sempre o fizera, estivesse ou não envolvido com o genocídio. A maioria das pessoas era indiferente ou omissa. Tanto os nazistas fanáticos quanto esses omissos foram indispensáveis para o nazismo realizar a matança. Durante a guerra, na Alemanha, certamente muitas pessoas sabiam ou suspeitavam do que acontecia nos campos de extermínio, mas o que importa é que nada no dia a dia as despertava para a responsabilidade os as levava a manifestar qualquer oposição ativa contra esses crimes, de tal forma que estavam institucionalizados.

Com relação aos médicos que trabalhavam em Auschwitz, o constrangimento moral era diluído pela idéia de que eles executavam “trabalho médico”. Era mesmo comum que além deles, os guardas recebessem visitas de suas famílias no fim de semana e havia casos de famílias de guardas que moravam em casa nos próprios campos. Segundo relato desses familiares, os médicos e guardas eram “pessoas amáveis e dedicadas à família”. Uma espécie de separação mental entre o “trabalho” e a família, que permitiu que matassem sem inibição.

 Em maio de 1944, organizações judaicas, como o Conselho Judaico Mundial, apelaram aos governos dos Estados Unidos e Grã-Bretanha para que bombardeassem o campo de extermínio de Auschwitz, ou ao menos a ligação ferroviária entre a Hungria e a Polônia por onde estavam passando mais de 180 mil judeus húngaros que seriam mortos nas câmaras de gás. Os apelos foram recusados. Alegou-se que esses ataques desviariam recursos militares importantes e colocariam em risco a vida de pilotos aliados. Os aliados defenderam durante toda a guerra a idéia de resgate apenas pela vitória. Nenhum esforço militar seria desviado para salvar os judeus. Recusaram-se a empreender ações isoladas de salvamento porque receavam que, uma vez que realizassem uma operação de resgate, as organizações judaicas pressionariam para que outros judeus também fossem salvos.

Mesmo conscientes da tragédia dos judeus, muitos governos colocaram restrições a sua entrada. Uma das únicas saídas possíveis dos judeus da Europa era tentar migrar para a Palestina, onde o movimento sionista construía as bases de um Estado judeu independente. A política britânica, porém, dificultou ao máximo esta imigração, atendo-se sempre às insuficientes cotas fixadas antes da guerra.

A posição do Papa Pio XII era de relativa conciliação com o regime nazista. Ele preferia Hitler à Stálin, de tão anti-comunista que era. Guardou silêncio sobre os crimes nazistas para não dificultar a luta da Alemanha com a União soviética. Não mencionou uma única vez de forma explícita o genocídio dos judeus, mesmo quando os nazistas deportavam os judeus de Roma em 1943. Os inúmeros exemplos de oposição de padres católicos e de Igrejas e Conventos que esconderam judeus por toda a Europa foram decisões locais, não de cúpula.

A despeito da violência do regime totalitário, as pessoas não são simples vítimas de um sistema ou governo. Elas participam, calam e se omitem. Houve casos na Alemanha de militares que se opuseram e foram transferidos, de esposas “arianas” que protestaram diante da prisão de seus maridos judeus e do bispo Von Galen, que protestou contra o extermínio dos “doentes mentais” e permaneceu na sua Igreja.

Vale lembrar que houve diferenças do comportamento da população em relação aos judeus nos diversos países dos quais eles foram deportados, o que mostra a existência de opções, independente da diferença no que se refere ao grau de controle alemão. Na Noruega, a população ajudou a esconder os judeus. O governo da Suécia, país neutro na guerra, ofereceu-lhes refúgio, salvando 930 pessoas. A Bélgica foi um dos países onde a resistência civil em favor dos judeus foi melhor organizada. Na Dinamarca, contudo, a população ofereceu a mais maciça resistência enfrentada pelos alemães contra as deportações. Mesmo ocupada pela Alemanha, manteve certa autonomia administrativa, por conta de sua neutralidade na guerra. Em 1942, o governo dinamarquês anunciou que renunciaria caso os alemães impusessem qualquer medida anti-semita. As autoridades do governo dinamarquês disseram também que se os nazistas tentassem impor o uso do distintivo amarelo aos judeus, o rei dinamarquês seria o primeiro a usá-lo. Em agosto de 1943, os alemães submeteram à Dinamarca um governo militar e iniciaram as deportações. A polícia dinamarquesa avisou aos alemães que estes não poderiam invadir as casas dos judeus. Foram deportados, então, os que abriram as portas quando os policiais da Gestapo bateram. Em outubro de 1943 a frota pesqueira dinamarquesa foi mobilizada para transportar para a Suécia 7906 judeus e alguns não-judeus casados com judeus. Foi a única operação de salvamento em que os judeus não tiveram que pagar pelo seu resgate. Mesmo na Itália de Mussolini, com decretos anti-judaicos, semelhantes aos da Alemanha, houve pouco rigor no cumprimento destes. O anti-semitismo ai não era forte.

Em 19 de abril de 1943, ocorreu o primeiro levante armado no interior da Europa ocupada pela Alemanha nazista. Foi a revolta do gueto de Varsóvia. Os combatentes judeus resistiram por quatro semanas até o gueto ser totalmente arrasado em 16 de maio de 1943. Houve revoltas também em vários guetos e em campos de extermínio, nestes, particularmente, realizadas pelos comandos que operavam as câmaras de gás quando perceberam que seu assassinato estava iminente com o fim das deportações para estes campos. Algumas dezenas de judeus conseguiram escapar para as florestas e sobreviveram à guerra.

É, sem dúvida, um assunto inesgotável, pelo número que publicações que ainda hoje faz gerar, bem como também por conta das discussões que alimenta. É uma memória que não pode ser apagada e nem deixada empoleirada em estantes. É viva, palpitante e curiosamente nos faz pensar em questões que são muito parecidas com as que vivemos nos dias que correm. Sabemos que os tempos são outros, mas é inegável que o mundo foi marcado pelos eventos desdobrados na Segunda Guerra Mundial. Que não se permita uma experiência de sofrimento semelhante para nenhum povo.

Bibliografia:

Sorlin, Pierre. O Anti-Semitismo Alemão. São Paulo, Editora Perspectiva, 1974.

Morais, Vamberto. Pequena História do Anti-Semitismo. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1972.

Besançon, Alain. A Dor do Século: sobre o comunismo, o nazismo e a unicidade da Shoah. Lisboa, Quetzal Editores, 1999.

Cytrynowicz, Roney. Memória da Barbárie: a História do Genocídio dos Judeus na Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Nova Stella: Editora da Universidade de São Paulo, 1990.


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