Palestra apresentada no Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor em 25 de Abril de 2017.
(O Livro dos Espíritos, perguntas 823 e 824)
O historiador francês Philippe Ariès escreveu um livro chamado “História da Morte no Ocidente”. Comentando esse trabalho, outro historiador, o estadunidense Robert Darnton, diz-nos que o enterro cristão, no início, inverteu a prática dos patrícios romanos, que eram enterrados em mausoléus individuais fora da cidade.
Os primeiros cristãos tinham uma crença de tipo mágico na eficácia dos enterros próximos às relíquias de santos e, dessa forma, davam preferência ao sepultamento nas igrejas situadas no centro das cidades. Durante um milênio, esse sepultamento foi basicamente coletivo. Os ricos e bem-nascidos eram colocados sob lajes do chão da igreja, as pessoas simples eram enterradas em valas no adro. Quando o lugar ficava lotado, os ossos eram transferidos para ossuários e carneiros em comum, onde eram empilhados e dispostos com um senso artístico macabro. [1]
Na Alta Idade Média (por volta do ano 470 até o ano 1000), a pessoa que estava prestes a desencarnar desempenhava um papel central na preparação do seu passamento. Naquela época, havia um rito prescrito para o que seria considerado uma boa morte. Assim, a arte de bem morrer seria um dos temas literários e iconográficos (ou seja, da produção de imagens) dos mais populares e difundidos no século XV (pelos anos 1400, já durante a Era Moderna).
Basílica e Convento de Santo Domingos, em Lima, Peru. O crânio de San Martin de Porres dentro da Igreja. O restante do seu corpo está sepultado em outra parte do Convento.
Basílica e Convento de Santo Domingos, em Lima, Peru. Cada retângulo desse, uma pessoa enterrada. Ao fundo, os restos de Santa Rosa de Lima. Seu crânio está no altar da Igreja.
Basílica e Convento de Santo Domingos, em Lima, Peru. Onde está enterrado o restante do corpo de Santa Rosa de Lima.
Basília e Convento de São Francisco de Assis, em Lima, Peru. Catacumbas.
Basília e Convento de São Francisco de Assis, em Lima, Peru. Catacumbas.
Basília e Convento de São Francisco de Assis, em Lima, Peru. Catacumbas.
Basílica Menor e Convento de São Pedro, em Lima, Peru. A placa marca o local onde foi enterrado o coração do Conde de Lemos, Vice-Rei do Peru, colocado aí obedecendo a disposições testamentárias.
Basílica Menor e Convento de São Pedro, em Lima, Peru. Caixas de ossos num altar lateral da igreja.
A vida era muito frágil. As pessoas não viviam tanto como hoje em dia. Os perigos de doenças, guerras e fome eram muito mais presentes que na atualidade. O homem medieval e do início da Era Moderna tinha verdadeiro horror à morte súbita, porque ela retiraria dele a oportunidade de participar desse momento crítico. Não por acaso, quando um médico estava atendendo a algum doente e reconhecesse que o caso era delicado ele tinha como primeiro dever chamar um padre, para que a criatura não desencarnasse sem assistência religiosa. Além disso, o médico tinha a obrigação de avisar aos pacientes caso identificasse a mais remota possibilidade deles desencarnarem, a fim de que os doentes pudessem dispor de oportunidade e tempo de se prepararem para a morte, enfrentando-a de acordo com o cerimonial tradicional, no leito. De acordo com Darnton
A cena do leito de morte ocorria em público. Padres, médicos, parentes, amigos e até os transeuntes se apinhavam no aposento do moribundo. Numa “boa morte” ele avaliava sua vida, chamava e perdoava seus inimigos, abençoava seus filhos, arrependia-se de seus pecados e recebia os últimos sacramentos. [2]
Variando conforme a época, condição social e lugar, os testamentos davam instruções “cuidadosamente detalhadas para o funeral e o luto, especificando a composição do cortejo fúnebre, o número de velas a serem levadas, o caráter do enterro e o número de missas a serem rezadas por sua alma”[3]. No Brasil, a historiadora Elene da Costa Oliveira, citando o trabalho do historiador João José Reis, observa que, no testamento, encontravam-se elementos da religião católica. Algo como “em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espírito Santo, Três pessoas e um só Deus verdadeiro”[4], seguindo-se a recomendação da alma para Deus: “Primeiramente encomendo minha alma à SS. Trindade, que criou; e rogo ao Padre Eterno, pela morte e paixão de seu unigênito filho, a queira receber, como recebeu a sua”[5]. A historiadora, analisando treze testamentos, verificou a quantidade de missas solicitadas por aqueles que se preparavam para a morte. O maior número que ela encontrou foi de 150 missas[6]. Não pensem que é um número muito elevado. Robert Darnton, em seu artigo, fala que alguns daqueles que faziam testamentos, pagavam “centenas ou milhares de missas a serem rezadas por eles em ocasiões especificadas, muitas vezes em caráter perpétuo”[7].
O historiador estadunidense conta-nos, ainda, que
No começo do século XVII, os funerais eram cerimônias elaboradas, principalmente, mas não exclusivamente, entre os ricos e bem nascidos. Uma longa procissão acompanhava o caixão desde a casa dos parentes até a igreja, percorrendo a cidade de acordo com um circuito predeterminado. Treze pobres carregavam, numa das mãos, archotes decorados com o brasão ou as iniciais do falecido e, na outra, o tecido que ganhavam dele como presente cerimonial. Padres e freiras em trajes de cerimônia, diretores de hospitais, bandos de órfãos pobres, companheiros de irmandades religiosas seguiam em fila, carregando archotes e velas, que iluminavam as ruas. Os sinos dobravam por toda a parte, e todo mundo sabia por quem, pois a morte incluía a exibição, a demonstração do status por uma coletividade, que utilizava a cerimônia para expressar sua ordem e a posição do falecido dentro dela. [8]
No Brasil, Elene Oliveira encontrou um testamento onde eram descritos os gastos possíveis com um funeral. A banda que tocaria no funeral, os carregadores do caixão, os decoradores da casa (para o velório), o padre e o sacristão eram remunerados[9]. Ela conta, ainda, que os pobres participaram do cortejo fúnebre porque, muitas vezes, eram distribuídas esmolas deixadas, em testamento, por aquele que desencarnara. Muitos escravos, nestas ocasiões, adquiriam a liberdade, uma vez que seus senhores deixavam essa vontade expressa nos seus testamentos.
Allan Kardec, na questão 823, indaga aos Espíritos Superiores “Donde nasce o desejo que o homem sente de perpetuar sua memória por meio de monumentos fúnebres?”[10], ao que eles respondem: “Último ato de orgulho”[11]. O homem medieval era muito religioso, sem dúvidas. Acontece, porém, que a religião tradicional incorporou elementos formalistas do judaísmo e, mesmo, do paganismo romano, fazendo com que o espírito – no sentido de essência – do Cristianismo, fosse abafado e colocado em segundo plano pela ritualística, pelo atendimento formal de determinado número de ações. O esforço por se levar uma vista justa, correta, foi deixado de lado porque se acreditava que poderiam chegar ao outro lado da vida – naquele momento, ao céu – se eles atendessem a um determinado número de rituais. A aproximação da hora da morte, certamente, fazia com que muita gente repensasse suas ações e tivesse atitudes sinceras de arrependimento e mudança. Porém, muita gente apegada aos protocolos da religião tradicional acreditava que, desobrigando-se daqueles rituais de acordo com o costume, estariam quites com Deus, como quem desejaria colocar a alma num alvejante poderoso – “Cloro” ou “Vanish” – para deixa-la pura. Daí a quantidade interminável de missas.
Em certa ocasião, quando o Espírito André Luiz fazia sua estreia nos trabalhos assistenciais de Nosso Lar – ele conta-nos a experiência em seu famoso livro de mesmo nome – as equipes de socorro da colônia espiritual levaram, resgatados do Umbral (região intermediária, ainda muito próxima à Terra onde se demoram Espíritos sofredores e ignorantes) alguns desencarnados em condição de desequilíbrio para atendimento. Ele vê uma senhora e resolve ajuda-la. Dando corda para que ela falasse, a senhora afirma-lhe que foi mulher de muito bons costumes. Que teria feito muita caridade e que havia rezado muito, como sincera devota. Porém, depois de desencarnada, havia sido cercada por “espíritos diabólicos”, que a prenderam. Porém, não perdera a esperança de ser libertada porque, afinal, havia deixado dinheiro para que fossem celebradas missas mensais para seu descanso. Indagada por André Luiz pelas razões que a levaram a passar por difícil situação no além-túmulo, disse que, apesar de ter se esforçado por ser boa religiosa, ninguém estava livre de pecados. Possuía escravos que, de vez em quando, ela mandava aplicar corretivos. Segundo ela,
Não raro algum negro morria no tronco para escarmento geral; outras vezes, era obrigada a vender as mães cativas, separando-as dos filhos, por questões de harmonia doméstica. Nessas ocasiões, sentia morder-me a consciência, mas confessava-me todos os meses, quando o padre Amâncio visitava a fazenda e, depois da comunhão, estava livre dessas faltas veniais, porque, recebendo a absolvição no confessionário e ingerindo a sagrada partícula, estava novamente em dia com todos os meus deveres para com o mundo e com Deus. [12]
Para ela, não havia nada demais possuir escravos, uma vez que até os bispos os tinham. Disse, por último, que o padre ensinara-lhe que os africanos seriam nascidos apenas para servirem no cativeiro. Parece-me que as coisas não saíram, lá, muito bem como ela achava. Ela, como tantos outros, achava que a ritualística da religião, e não a mudança interior, era suficiente para limpar a alma e prepara-la para o ingresso na outra vida.
Ainda há outro elemento a considerar. O desejo consignado em testamento de distribuir-se bens aos pobres, de se fazer doações à igrejas e irmandades, a libertação de cativos e, principalmente, a ritualística, suntuosidade e luxo dos funerais, como diz Darnton, era para marcar sua posição naquela sociedade e, por consequência, para contrastar com a dos outros, daqueles que não poderiam exibir tanto. Era para demonstrar status, poder.
Allan Kardec publicou “O Livro dos Espíritos” em 1857, no século XIX. Em finais do século XVIII (anos 1701 em diante), de acordo com Darnton, os administradores franceses passaram a considerar insalubre o costume de sepultamento dos mortos dentro de igrejas, proibindo-os. Os cemitérios passaram, então, a serem construídos nos limites das cidades. “O túmulo pessoal, encimado por uma pedra com uma inscrição biográfica, passou a ser visto como uma reserva inviolável do século XIX”[13]. Na cidade de Salvador, no Brasil, em 1836, a população não gostou muito dessa ideia. Entraria em vigor, ali, uma lei que proibia que fossem realizados enterros dentro ou ao lado das igrejas. Estes deveriam ser feitos no “Campo Santo”, nome dado ao cemitério construído por uma empresa privada, que teria o monopólio dos enterros por 30 anos. Munidos de alavancas, machados e ferros, populares destruíram o cemitério. O episódio ficou conhecido como “Cemiterada”.[14] Não por acaso, portanto, a pergunta de Kardec enfoca, especificamente, os monumentos fúnebres. Entretanto, o túmulo, no espetáculo de exibição pública de status, poder e riqueza, seria a “cereja do bolo”, a última demonstração, a culminância do orgulho. Allan Kardec desdobra a questão 823.
a) – Mas a suntuosidade dos monumentos fúnebres não é antes devida, as mais das vezes, aos parentes do defunto, que lhe querem honrar a memória, do que ao próprio defunto?
“Orgulho dos parentes, desejosos de se glorificarem a si mesmos. Oh, sim, nem sempre é pelo morto que se fazem todas essas demonstrações. Elas são feitas por amor-próprio e para o mundo, bem como por ostentação de riqueza. Supões, porventura, que a lembrança de um ser querido dure menos no coração de um pobre, que não lhe pode colocar sobre o túmulo senão uma singela flor? Supões que o mármore salva do esquecimento aquele que na Terra foi inútil?”[15]
Os parentes de personalidades famosas – pelo dinheiro, pelo poder ou pelos dois – aproveitam-se da fama do sujeito para “tirar uma casquinha” da notoriedade do familiar. Provavelmente, exibiam-se como os responsáveis pela arte que decorava as sepulturas e pelo cultivo da memória do desencarnado, que lhe poderia trazer algum benefício como, por exemplo, se se tratasse de um escritor famoso ou músico conhecido, cuja produção cultural (livros, músicas) continuaria sendo consumida pelos contemporâneos, se não rendendo frutos financeiros, ao menos status. Além disso, a exuberância apresentada nos túmulos revelaria que o desencarnado, em vida, foi rico, e que seus familiares que lhe providenciaram a última morada do corpo ainda o são. As duas últimas frases da resposta dos Espíritos a Allan Kardec são preciosas. O local mais adequado para guardar-se a lembrança de alguém não é feito de mármore, bronze ou, mesmo, de ouro. É o coração humano, templo interior que representa a sentimentalidade e o afeto que nutrimos por alguém. Aí sim, a memória é imorredoura, porque baseada naquilo que a traça não rói e o tempo não consome: o amor verdadeiro. O mármore e os metais podem durar muito tempo mesmo. A intenção de quem escolhe esses materiais é essa mesmo. Entretanto, são feitos do elemento material. O tempo os consumirá. E, além disso, mármore e bronze não impedirão, como dizem os Espíritos, de fazer com que alguém que tenha sido inútil seja esquecido.
Agora, façam o esforço de imaginar a situação daquele que ritualiza a sua morte até a culminância de mandar construir sua própria sepultura. Depreende-se, daí, que o sujeito parte de uma concepção de morte que a entende como o ato final de sua passagem pela vida, vindo, após isso, o nada, daí a necessidade de lutar contra o esquecimento para viver na memória dos outros. Também pode entendê-la como o momento de espera do juízo final, permanecendo, em última análise, ainda junto de elementos que lhe atestem a sua grandeza material e seu poder, na imagem da suntuosidade dos seus túmulos. Imaginem a situação do Espírito. Quantos, nessas circunstâncias, ficam presos aos locais de sepultamento de seus corpos? Allan Kardec, em “O Céu e o Inferno”, num capítulo intitulado “O passamento” lembra-nos que
a causa principal da maior ou menor facilidade de desprendimento é o estado moral da alma. A afinidade entre o corpo e o períspirito é proporcional ao apego à matéria, que atinge o seu máximo no homem cujas preocupações dizem respeito exclusiva e unicamente à vida e gozos materiais. [16]
Ficará preso ao local de sepultamento de seu corpo material porque, em realidade, é apegado ao seu corpo. A preocupação em construir um monumento de culto a ele é sintoma de apego à matéria, de ligação muito forte com a vida física. Seu corpo morrerá, mas ele não vai desencarnar. Além disso, há que se levar em conta a perturbação do Espírito que se segue ao fenômeno biológico da morte do corpo. No mesmo capítulo, Kardec nos traz algumas informações valiosas a respeito. Segundo ele, no instante da morte, a alma experimenta uma espécie de torpor que lhe paralisa momentaneamente as faculdades.
A perturbação pode, pois, ser considerada o estado normal no instante da morte e perdurar por tempo indeterminado, variando de algumas horas a alguns anos. À proporção que se liberta, a alma encontra-se numa situação comparável à de um homem que desperta de profundo sono; as ideias são confusas, vagas, incertas; a vista apenas distingue como que através de um nevoeiro, mas pouco a pouco se aclara, desperta-se-lhe a memória e o conhecimento de si mesma. Bem diverso é, contudo, esse despertar; calmo, para uns, acorda-lhes sensações deliciosas; tétrico, aterrador e ansioso, para outros, é qual horrendo pesadelo. [17]
A crise da morte, portanto, que é normal, varia de acordo com o grau de apego que o desencarnado possuía à sua vida física. Quanto menos ligado aos valores materiais da vida, mais rápido a sua tomada de consciência no mundo espiritual.
Os funerais, onde se reúne variado número de pessoas para o sepultamento do corpo material da pessoa que desencarna, podem se constituir em verdadeiros obstáculos à tranquilidade daquele que deixa a vida física. Os encarnados presentes, se não mantém postura adequada, de respeito e orações àquele por quem estão velando o corpo, podem afetar-lhe, negativamente, a tomada de consciência. No livro “Conduta Espírita”, psicografado pelo médium Waldo Vieira, André Luiz nos sugere que devemos calar “anedotário e galhofa em torno da pessoa desencarnada, tanto quanto cochichos impróprios ao pé do corpo inerte”[18]. Isso, infelizmente, é muito comum, e o próprio André Luiz, em outro livro seu, “Obreiros da Vida Eterna”, informa-nos sobre as consequências dessa atitude inadequada para o desencarnado. Acompanhando o velório do médium Dimas, fica sabendo que, o processo de desligamento do seu corpo físico já estava quase completo, mas era afetado pelos encarnados ali presentes. A mãe do médium, também desencarnada, que o amparava neste momento de transição, informa-nos que seu filho era chamado ao cadáver “cada vez que os parentes se debruçam, em pranto, sobre os despojos”[19], o que prejudicava a velocidade do restabelecimento de suas faculdades. Para aliviá-lo, ela o induzia ao sono, mas os pensamentos dos presentes faziam com que seu sono fosse povoado de pesadelos. De que maneira?
As imagens contidas nas evocações das palestras incidem sobre a mente do desencarnado, mantido em repouso depois de rápido mergulho na contemplação dos fatos alusivos à existência finda. Não somente as imagens. Por vezes, nossos amigos presentes, fecundos nas conversações sem proveito, exumem, com tamanho calor, a lembrança de certos fatos, que trazem até aqui alguns dos protagonistas já desencarnados. [20]
Ou seja, além dos pensamentos afetarem o equilíbrio daquele que desencarna, ainda tem o perigo dos presentes atraírem, para o velório, outros Espíritos, nem sempre equilibrados, afetando, ainda mais, de maneira negativa, o processo de desligamento do corpo físico. E André Luiz presenciou a ocorrência na sala onde ocorria o velório. Um dos presentes disse que Dimas presenciou um crime cometido por um chefe político da região interiorana onde morava. Descendo aos detalhes que levaram o político a assassinar um homem, informa que Dimas o socorreu a vítima, mas não denunciou o agressor. Por caridade ou por medo, podemos supor. Assim que terminou sua narrativa, eis que o antigo assassino, já desencarnado e em profundo desequilíbrio, entra no ambiente e aproxima-se do narrador, questionando-lhe: “Sou eu o assassino! Que quer você de mim? Por que me chama? É juiz?!”[21] Percebendo o cheiro de flores, o antigo assassino notou que estava em um velório e foi ver de quem se tratava. Ao reconhece-lo, chama por Dimas: “Socorre-me! Estou desesperado! Onde encontrarei minha vítima para suplicar-lhe o perdão de que necessito? Ajuda-me, ainda! Tem compaixão! Deves saber o que ignoro! Socorre-me, socorre-me!...”[22] Um dos Espíritos que lhe ajudavam no processo de desencarnação informa, então, à André Luiz que Dimas registrou a presença na forma de terrível pesadelo, recordando-se do fato relatado. Agora, vocês imaginem se a pessoa foi famosa, se teve poder, destaque social ou riqueza e desencarna. Sabemos todos que os sepultamentos dessas pessoas são muito procurados, às vezes por centenas de pessoas. Imaginem que boa parte delas cultiva essa confusão de pensamentos e tem, frente ao desencarnado famoso, atitudes muito parecidas com a que nos referimos, rememorando passagens nem sempre felizes daquelas pessoas, o que deve constituir-se em verdadeira tortura para o Espírito desencarnado.
Os Espíritos Superiores informam a Allan Kardec, nas questões 326 e 327, da segunda parte de “O Livro dos Espíritos”, que as honras e homenagens prestadas ao corpo físico que será sepultado não chamam muito a atenção daqueles desencarnados já livres das vaidades terrenas, mas alguns, que ainda conservam alguns prejuízos deste mundo, sentem grande satisfação com essas homenagens ou se aborrecem com o pouco caso que se lhes façam. Informa-nos, ainda, que muitos Espíritos assistem aos seus funerais, apesar de alguns deles, dada essa perturbação de que falamos, não perceberem, muito bem, o que se passa.
Na questão 824 Kardec indaga: “Reprovais então, de modo absoluto, a pompa dos funerais?”[23] Ao que os Espíritos respondem: “Não; quando se tenha em vista honrar a memória de um homem de bem, é justo e de bom exemplo”[24]. O famoso escritor francês Victor Hugo desencarnou em 22 de Maio de 1885. Nas suas últimas vontades, constava seu desejo de doar 50 mil francos para os pobres e o de ter o seu corpo levado para o cemitério no carro funerário dos pobres[25]. “É preciso que alguém seja a favor dos vencidos”[26], escreveu em sua obra “Os Miseráveis”. E ele o foi. Defendeu a abolição da pena de morte, os direitos da classe trabalhadora e a mulher. Por nove dias, uma multidão de franceses velou seu corpo. Dois milhões de pessoas acompanharam o cortejo fúnebre até o Panthéon, monumento aos heróis nacionais da França. Para cultivar a memória de homens como Victor Hugo, os Espíritos Superiores que respondem a Kardec concordam com o destaque emprestado ao funeral[27].
Allan Kardec comenta que “o túmulo é o ponto de reunião de todos os homens. Aí terminam inelutavelmente todas as distinções humanas”[28]. Todos, pobres ou ricos, têm que deixar o corpo físico por ocasião da morte. O rico pode viver maior número de anos, por se alimentar melhor e por dispor de melhores hospitais, facilidades que a riqueza lhe oferece. Mas seu corpo não é eterno. O que fará com que as pessoas lembrem-se da nossa passagem no mundo é o tipo de conduta que tivermos durante nossa existência física. Seremos lembrados pelas nossas ações, boas ou ruins. Os funerais mais fantásticos, mais luxuosos e requintados não farão com que criaturas que levaram uma vida egoísta sejam lembradas. Que tipo de impressões estamos deixando nas pessoas? Estamos cultivando simpatias através da prática do bem? “É dando que se recebe”, já dizia a oração atribuída a Francisco de Assis. O que temos dado de nós para a vida? Quais as sementes que estamos dispersando pelos caminhos do mundo? Refletir sobre a morte é pensar sobre a vida que levamos. Os nossos tem sido os caminhos do Senhor? Onde está o nosso tesouro? Allan Kardec informa-nos que para trabalharmos pela nossa purificação, devemos reprimir nossas más tendências e dominar nossas paixões. Para tanto, devemos abrir mão “das vantagens imediatas em prol do futuro, visto como, para identificar-se com a vida espiritual, encaminhando para ela todas as aspirações e preferindo-a à vida terrena, não basta crer, mas compreender”[29]. Para o espírita, a vida futura é uma realidade que se desenrola, a todo o momento, diante de seus olhos, uma vez que os Espíritos, as almas dos homens que já deixaram o corpo, vêm nos informar da imortalidade e as consequências de nossas ações.
[1] DARNTON, Robert. “A história das mentalidades: o caso do olho errante”. In: O Beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 287.
[2] DARNTON, Robert. O Beijo de Lamourette, Op. cit., p. 281.
[3] Idem.
[4] REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 92, citado por OLIVEIRA, Elene da Costa. “Os testamentos como preparação para a morte”. Disponível em: http://www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/anais/article/viewFile/466/508 Último acesso em 25 de Abril de 2017, p. 4.
[5] Idem.
[6] OLIVEIRA, Elene da Costa. “Os testamentos como preparação para a morte”, op. cit., p. 6.
[7] DARNTON, Robert. O Beijo de Lamourette, op. cit., p. 293.
[8] Idem. Grifos meus.
[9] OLIVEIRA, Elene da Costa. “Os testamentos como preparação para a morte”, op. cit., p. 7.
[10] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995, p. 381.
[11] Idem.
[12] XAVIER, Francisco Cândido. Nosso Lar. Brasília: FEB, 2015, p. 195. Grifos meus.
[13] DARNTON, Robert. O Beijo de Lamourette, op. cit., p. 287.
[14] FARIAS, Sheila de Castro. “Cemiterada”. In.: VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 128 a 131.
[15] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, op. cit., p. 382. Grifos meus.
[16] KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Rio de Janeiro: FEB, 1997, p. 169.
[17] Idem.
[18] VIEIRA, Waldo. Conduta Espírita. Rio de Janeiro: FEB, 2001, p. 126.
[19] XAVIER, Francisco Cândido. Obreiros da Vida Eterna. Rio de Janeiro: FEB, 1998, p. 218.
[20] Idem, p. 219.
[21] Idem.
[22] Idem.
[23] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, op. cit., p. 382.
[24] Idem.
[25] THOMAS, Henry; THOMAS, Dana Leel. “Victor Hugo”. In.: HUGO, Victor. São Paulo: Martin Claret, 2007, vol. 2, p. 617.
[26] HUGO, Victor. Os Miseráveis. São Paulo: Martin Claret, 2007, vol. 2, pág. 404.
[27] Veja: ALTMAN, Max. “Hoje na História: 1885 - Morre o escritor francês Victor Hugo”. Disponível em: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/historia/12086/hoje+na+historia+1885+-+morre+o+escritor+frances+victor+hugo.shtml Último acesso em 24 de Abril de 2017. LOUREIRO, Monique. “França celebra 200 anos de nascimento de Victor Hugo”. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/cultura/020226_victorhugobg.shtml Último acesso em 24 de Abril de 2017. “EXÉQUIAS DE VICTOR HUGO”. Disponível em: http://www.paginaespirita.com.br/exequias_de_victor_hugo.htm Último acesso em 24 de Abril de 2017.
[28] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, op. cit., p. 382.
[29] KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno, op. cit., p. 172.
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